Apartado da cidade de Paris, com a I Guerra Mundial a decorrer em pano de fundo, Amadeo de Souza-Cardoso encontrou no Norte de Portugal condições para uma imersão total na sua arte, à semelhança doutros amigos que também aí se instalaram, fugidos da capital francesa, como Sonia e Robert Delaunay, Sam Halpert ou Eduardo Viana, unindo-se numa comunidade de ideias e projectos artísticos. Amadeo foi quem menos usufruiu da companhia, aproveitando o isolamento em Manhufe para se embrenhar num ritmo frenético de trabalho e em leituras poéticas que o incitavam. Fala aos amigos de livros de Cendrars, Apollinaire, Laforgue, e declara que “Rimbaud est dans ma chambre”* – o mesmo poeta que escolheu para ex-libris da sua grande exposição no Porto (1916), e cuja leitura confessou servir-lhe de ajuda fundamental.
Transpondo para a tela uma das lições de Robert Delaunay, Amadeo pretende aqui captar um sentido plástico induzido por um estado poético. Contra a ideia duma descrição da realidade, este quadro mostra uma recriação do motivo popular das janelas do pescador, dando o maior destaque à materialidade deliberada e imediata da superfície pintada. As suas densas pinceladas, sem hesitações, enchem de vitalidade o espaço com pequenos toques, e um verniz aplicado sobre as caneluras da tinta torna o conjunto brilhante. Torna-se aqui evidente como a velocidade da pintura de Amadeo aumentou drasticamente por estes anos, e com ela, insinuou-se uma certa desordem na composição pictórica, com a gradação de cores, os signos soltos, a propositada assimetria e opacidade das janelas, e uma incontida policromia. “On a là Rimbaud dans la montagne”** – exclama Eduardo Viana, após visitar o ateliê de Amadeo.
* “Rimbaud está no meu quarto” Cf. Carta de Amadeo de Souza-Cardoso a Sonia Delaunay, no dia 19 de Maio de 1916.
** “Temos o Rimbaud lá na montanha [de Manhufe]” Cf. Carta de Eduardo Viana a Robert e Sonia Delaunay, no dia 23 de Junho de 1916.
AR
Março 2011