In the Café denota uma viragem no trabalho da sombra, pois Lourdes Castro começara por pintar projecções de silhuetas de amigos em tela. Em 1961, o seu percurso artístico havia já sofrido uma alteração profunda. Se até aí a sua produção se filiava num abstraccionismo influenciado pela Escola de Paris do pós-guerra, acaba por abandonar os suportes tradicionais da pintura integrando na sua produção as pesquisas concomitantes do Nouveau Réalisme e do neofigurativismo, às quais alia a atenção que a sombra lhe despertara na sequência das experimentações serigráficas da revista KWY.
Produz, então, objectos a partir da assemblage de bens de uso corrente, daí partindo para o trabalho da sombra, problema em torno do qual passará a girar a sua obra. Resolverá, deste modo, um dos problemas a que fazia face a produção artística da década de 60, que consistia nos modos de apropriação e de expressão plástica de elementos da realidade e da vivência do quotidiano. A descoberta do plexiglas, em 1964, fá-la abandonar definitivamente a pintura sobre suportes tradicionais. In the Café apresenta duas placas de plexiglas que, ao estarem separadas, acentuam a marcação de dois planos de representação distintos. Na primeira, encontramos a projecção das sombras das personagens e, na segunda, as silhuetas dos elementos que enquadram o espaço, delimitado pela mancha a negro, à esquerda, e pelo pilar vermelho, à direita, onde as figuras do primeiro plano se relacionam.
Vemos, assim, uma cena em que a figura feminina se mostra activa na interpelação da figura masculina, aparentemente passiva no acto de leitura. O trabalho da sombra é complexificado através da relação entre os dois planos, uma vez que as silhuetas da placa mais próxima do espectador são projectadas no plano que define o fundo da cena. Note-se, também, o tratamento da sombra em negativo, com o gato desenhado em frente à figura feminina, em baixo e à direita. Aqui, Lourdes Castro explora o uso da linha de contorno para completar o desenho do gato e o das costas da cadeira. Este jogo entre linha de contorno e mancha de cor é continuado na mesa e nos objectos que a ocupam, bem como no livro que a figura masculina segura, sendo a mancha a negro da sombra projectada desses elementos contornada por uma linha a vermelho. Este mesmo recurso é utilizado em cima, à direita, no que parece ser uma garrafa e cujo preenchimento surge agora em cinzento. Este trabalho complexo condensa parte das pesquisas de Lourdes Castro em torno da sombra e da ideia de presentificação de ausências, propondo a partir daqui, reflexões sobre o tempo e a memória, aprofundadas no uso da linha de contorno ao invés da mancha. Na abordagem ao tema, convirá referir Álbum de Família, conjunto de volumes que vem sendo constituído pela artista, onde se compendiam imagens, excertos de textos e pensamentos sobre a sombra.
André Silveira
Maio 2010