Geografias do Sagrado pertence a uma série com o mesmo nome, onde Graça Morais cria imagens da sua memória e experiências vividas provenientes de uma cultura ancestral de Trás-os-Montes. Como a artista refere «estas imagens são o resultado de uma grande concentração de afectos, são imagens ligadas à minha memória. São cenas, estas pessoas, estes rostos são depósitos dessa memória, são uma identidade de olhares e um reconhecimento de familiaridades. Ao reunir no meu espaço pictural aquilo que mais me emociona, choca e intriga, crio imagens aonde a atmosfera é de tensão e angústia».*

A crueza da obra, em parte conferida pelos tons do pastel e do carvão, remete-nos para um cenário de extrema violência: a luta desigual entre homens e animais, cristalizada nesta pintura no momento final do sacrifício e da morte do animal. Embora corresponda a uma atividade do quotidiano rural, e por isso banal, o momento é retratado por Graça Morais por uma intensa expressividade transmitindo até um certo desconforto. A dominação, o gesto da mão que golpeia com uma faca a carne e a desfiguração da fisionomia da cabeça coberta por uma espécie de mortalha são elementos que integram esta obra e que conferem a esta composição o poder da imagem representada. 

* Transcrição de uma página de um diário da artista reproduzida in Graça Morais: Geografias do Sagrado, Porto: Galeria 111, 1998, s/p.