Maquete para gravura em metal.
Edição Staatsgalerie Modern Kunst, München.
O desenho Febre aparenta-se à série de trabalhos conhecida como «pinturas brancas», que Julião Sarmento desenvolveu ao longo dos anos 90. Como noutros trabalhos dessa série, o traço permanece inacabado. Não descreve formas; sugere situações com extraordinária economia de meios. As linhas organizam-se como afloramentos na superfície branca do papel, parcelas mínimas de informação visual, fragmentos de uma cena que a memória do artista apontou. Os corpos, mais adivinhados do que observados, não têm substância concreta. O espaço é indefinido, sem coordenadas ou objectos que o qualifiquem. O enquadramento apenas torna perceptível o pormenor de um movimento aparente de duas figuras: um protagonista sem fisionomia que descobrimos em primeiro plano, graças ao gesto das mãos que se unem pela ponta dos dedos. Essa figura – identificada também pela linha curva que assinala vagamente o perfil de um ombro – parece separada, numa atitude ambígua que pode sugerir uma ponderação distanciada ou um afastamento meditativo. À direita, uma segunda figura: as linhas de um rosto parcialmente escondido, de que vemos apenas os olhos semicerrados. Esta última figura (feminina?) parece beijar ou tocar o ombro da primeira (um homem?). O resto da acção permanece escondida do olhar do espectador, mas a sugestão que o inacabamento da imagem igualmente aviva é a de uma tensão afectiva ou de um desencontro, uma divergência ou uma distanciação, como se as relações humanas acabassem naufragadas na branca espessura da solidão.
AFC
Novembro de 2011