Existe uma semelhança formal evidente entre esta imagem, de 1985, e Dafundo, do mesmo autor e datada de 1956, que pertence igualmente à coleção do CAM. Esta semelhança levou Fernando Gil a fazer um estudo sobre as duas imagens, como se de um díptico se tratasse, no texto introdutório do catálogo da exposição Insignificâncias: Fotografias de Gérard Castello-Lopes, que decorreu em 1986 na Fundação Calouste Gulbenkian. Contudo, se existem elementos comuns às duas imagens (os charcos de água, o reflexo, o gato, a estrada), há uma ausência em Escócia que a distingue. É o facto de não existir, nesta imagem, referência direta ao elemento humano – em Dafundo representado pelo estendal de roupa.

 

Esta ausência é sintomática de uma demarcação entre a sua obra mais recente e a fotografia engajada e humanista dos anos 50, quando Castello-Lopes percorria o país documentando, à maneira de Cartier-Bresson, as gentes do interior e dando testemunho da sua «tristeza e desesperança» nos anos difíceis do Salazarismo. Quando retoma a fotografia em 1982, após um longo intervalo, passara a interessar-se pelo «paradoxo da realidade», agora com uma visão mais poética que cultiva a inocência de um olhar original sobre a realidade, livre das convenções com as quais o conhecimento a condiciona. Como afirmou o fotógrafo, «o que sabemos empobrece ou apaga o deslumbramento que a beleza do mundo deveria desencadear em nós.»*

 

Esta imagem nasce desse «espanto» do encontro do olhar com uma paisagem aparentemente banal mas que, de algum modo, interpela o fotógrafo a fazer o seu registo naquele momento e não noutro.

 

 

* Gérard Castello-Lopes, Reflexões Sobre Fotografia: Eu, A Fotografia. Os Outros, Lisboa: Assírio & Alvim, 2004, p. 27.

JO

 

Agosto de 2011