O rio, o mar, a água, as montanhas, o céu, o vento, a luz, são elementos referenciais da obra de Carlos Nogueira (1947), a qual tira partido das qualidades plásticas de materiais de natureza profana e industrial – ferro, aço, betão, vidro – para construir peças e projetar situações que incitam a refletir sobre a natureza e o poder transfigurador, ritual e sensível da arte.

 

Desenvolvendo uma prática artística nos domínios do desenho, performance, escultura, instalação e pintura, Nogueira explora com frequência cumplicidades e cruzamentos entre os vários géneros. Do mesmo modo, ainda que muitas das suas obras e intervenções estabeleçam leituras entre pólos dicotómicos como peso/leveza, escuridão/claridade, diurno/noturno, efemeridade/permanência e profano/sagrado, o artista convoca simultaneamente o sentido de autonomia e complementaridade dos termos, apelando a uma combinação sem hierarquias e à transitividade de experiências evocativas dessas realidades.

 

Isso mesmo elucida uma peça escultórica como “Entre Duas Águas”. Ela representa um conjunto de trabalhos que marca um novo ciclo de produção de Carlos Nogueira – depois da fase inicial dedicada a ações performativas – mais associado à escultura, e integra uma série de outras peças que deram título a uma exposição realizada no Museu Nacional de Évora, em 1992. A matéria escolhida para a realização desta obra foi a escória de ferro. Observamos fragmentos de minério depositados numa estrutura rectangular em forma de caixa, que pela sua tipologia formal convida à experiência espacial e temporal, à passagem, ao percurso e à mobilidade do espectador. Para lá da aparente sensação de crueza que ressalta do material, dos restos e das impurezas, é uma paradoxal atmosfera poética que acaba por se impor, sinal de identidade habitual na criação escultórica de Carlos Nogueira.

 

 

 

Sandra Vieira Jürgens

Outubro 2014