• 1994
  • Alumínio e Papel Fotográfico
  • Ilfochrome classic
  • Inv. FP561

Luís Campos

Da série Transurbana

Esta fotografia da série Transurbana foi exposta pela primeira vez em Lisboa, em 1994, no âmbito das comemorações de Lisboa 94 – Capital Europeia da Cultura. Em 1997 voltaria a ser apresentada na Galeria Arco, em Faro, e em 2003 chegava a Paris, integrada na exposição Lisboa/Lisbonne: Un monde fait de tous les mondes, comissariada por Claude Archambault. Composta por quatro trípticos de fotografias tiradas em Lisboa durante o ano de 1994, a série Transurbana quer-se «uma viagem através da cidade, em busca dos seus habitantes e dos seus ambientes», «uma viagem através da realidade para criar uma ficção».*

 

Na exposição na capital francesa, a ficção proposta pelos trípticos de Luís Campos seria colocada ao serviço de uma outra ficção, a de uma Lisboa para parisiense/francês/estrangeiro ver. Lisboa/Lisbonne: Un monde fait de tous les mondes definia-se como uma «evocação de uma cidade ‘misturada’ (mêlée), resolutamente contemporânea, que conjuga a marca da sua herança com a vitalidade das suas questões e das suas mutações».** A implicação mais direta (in/voluntária?) do fotógrafo nesta ficção advém da escolha de uma outra sua fotografia da série Transurbana para o cartaz e para a capa do catálogo da exposição. Interessante foi, então, constatar a receção que os filhos dos imigrantes portugueses em França reservaram à articulação desta dupla ficção, cujo efeito mais imediato decorria da imagem veiculada pelos suportes visuais (cartaz, flyer, capa do catálogo). Ao optarem por dar particular destaque ao busto de uma jovem penteada com dois rabichos, vestida com uma blusa bordada (ou a imitar bordado) e um casaco de malha grossa, num todo que se desprende de uma paisagem com prédios em construção, os organizadores da exposição difundiam amplamente a sua ficção da capital portuguesa e, in fine, dos Portugueses em geral.

 

Recorde-se que em França vivem mais de um milhão de Portugueses, resultado da maior vaga migratória intra-europeia da segunda metade do século XX. Chegados em massa (na sua maioria clandestinamente) ao longo da década de 1960, oriundos de aldeias portuguesas do Norte e do Centro do país, estas populações rurais encontrariam trabalho no mercado da construção civil e nos serviços de limpeza das torres que se erguiam na capital francesa e noutros grandes aglomerados habitacionais do país. Não é, assim, de estranhar que os filhos dos imigrantes portugueses tivessem reagido com espanto, senão repúdio, a uma imagem que pretendia seduzir o público da capital francesa com registos estéticos que entroncam numa realidade que – pelo menos no que lhes diz respeito – consideram (preferem considerar?) volvida no tempo e na qual não se reconhecem. É que no cartaz e na capa do catálogo o busto da jovem, reduzido a tons de cinzento (quando a fotografia de Luís Campos é a cores), surgia associado às cores da bandeira portuguesa aplicadas às letras garrafais do título – Lisboa/Lisbonne: Un monde fait de tous les mondes.

 

Como não ver neste registo passadista, a cinzento, de uma jovem fotografada hoje, cujas vestes e penteado evocam um mundo rural deixado para trás a favor do mundo urbano da atual capital portuguesa, um espelho da vivência dos Portugueses que chegaram a Paris (esse outro mundo feito de todos os mundos) em pleno boom da construção do pós-II Guerra Mundial? Como não associá-la a uma memória familiar e coletiva daqueles anos? Nestas circunstâncias, é difícil encarar a imagem do cartaz como representação de uma Lisboa «resolutamente contemporânea». Atributos da vida rural e prédios decadentes ou em construção possuíam conotações tão fortes para aqueles jovens, que estes não repararam sequer nos lábios cuidadosamente pintados da rapariga – símbolo por excelência da urbanidade feminina – nem na franja trabalhada, no colarinho e no decote do camiseiro, também eles de fatura urbana.

 

Porém, os jovens portugueses que habitam Paris na realidade desmontaram instintivamente o mecanismo motor da encenação proposta. Eles sabem, pela sua vivência, que os protagonistas isolados fotografados por Luís Campos são os protagonistas de uma aventura com um gosto amargo. Que a sua pose em grande, sob pano de fundo dos lugares marginais da cidade, disfarça mal as marcas profundas deixadas pela deslocação e pelo esvaziamento inerentes às universais histórias da e/i/migração. Sabem também que estes protagonistas não são nenhuma especificidade da capital portuguesa e que os anti-heróis transurbanos de Luís Campos fotografados em Lisboa existem em qualquer outra cidade do mundo. Perceberam, de relance, a essência do trabalho do fotógrafo sobre estas «figuras em transição pelos desertos de cimento», que não podem «envelhecer com o ciclo das árvores». Mas recusam que terceiros as utilizem para criarem uma estética ao serviço de uma ficção que lhes rouba a sua própria história.

 

 

* Depoimento do artista, disponível em www.luiscampos.pt

 

** Do catálogo Lisbonne/Lisboa : Un monde fait de tous les monde (Paris: Indigène, 2003). Tradução da autora.

ILC

 

Outubro de 2011

TipoValorUnidadesParte
Altura124,5cmsuporte
Largura462cmsuporte
TipoDoação
DataDezembro de 2009
Atualização em 23 janeiro 2015

Definição de Cookies

Definição de Cookies

Este website usa cookies para melhorar a sua experiência de navegação, a segurança e o desempenho do website. Podendo também utilizar cookies para partilha de informação em redes sociais e para apresentar mensagens e anúncios publicitários, à medida dos seus interesses, tanto na nossa página como noutras.