O original percurso de Vieira da Silva, sempre caracterizado por avanços e recuos, incertezas e experimentações, é pontuado por momentos evolutivos marcantes. Até 1935, Vieira da Silva usou a perspectiva central e o espaço construído à volta de um ponto de fuga único imaginário, em notáveis exemplos de pinturas de espaços fechados. A partir de 1936, a perspectiva tende a ser ultrapassada na série a que chamou Compositions. A afirmação do plano através de elementos puramente plásticos, como as linhas e os contornos, serve para acentuar a arquitectura das composições. É a estrutura e o espaço pictórico que dirigem a sua intenção de vontade construtiva. Os temas perdem importância e transformam-se em esquemas plásticos. As suas pinturas desta série não têm títulos ou são intencionais Compositions e a grelha é um elemento de eleição para compartimentar o espaço no suporte bidimensional da tela.
Composition (Composição) faz parte de um conjunto definido como ossaturas espaciais que lhe serve para salientar as estruturas que definem a composição, onde a abstracção exclui qualquer figuração. A atenção de Vieira da Silva é retida pela armação do visível e as estruturas são despojadas. É a essência que lhe interessa: os espaços são interiores, fechados, tal como a artista está isolada do mundo exterior e da realidade. A composição ordena-se à volta de um eixo central – elemento estabilizador que logo é diluído por elementos destabilizadores. As linhas alargadas com contornos cruzam-se e entrelaçam-se de um plano para outro, provocando distorções, formando uma grelha que anula qualquer perspectiva sugerida em composições anteriores. A ideia de labirinto (muito tempo antes de utilizar esta configuração espacial como título de pinturas) insinua-se no caminho perdido de um entrelaçamento de linhas. Perde-se a densidade, anula-se a profundidade e o suporte reafirma a sua função contentora. A cor, despojada de qualquer valor expressivo, acentua a intenção das linhas – que criam planos a partir das intersecções – de realçar a arquitectura da obra e a ausência de volume. A cor pura é utilizada de um ponto de vista dinâmico, antes da paleta se tornar mais discreta e saturada. Vieira da Silva usa a cor intencionalmente em função de relações intrínsecas com a pintura, potenciando o afastamento da realidade e da essencialidade redutora, que rapidamente se tornam urgentes de ultrapassar e transgredir.
Marina Bairrão Ruivo
Maio de 2010