Em Clocharde de la Place de la Concorde, guache de pequenas dimensões, encontramo-nos perante uma representação pouco comum em António Soares. Apesar de ser um retrato feminino, tema central da obra gráfica e pictórica de Soares nos anos 20 e 30 do século XX, trata-se de uma vagabunda, e não, como seria comum, uma mulher aristocrata ou burguesa, actriz ou bailarina.
A resposta poderá estar na ambiguidade do tratamento de tema. Se a inscrição do autor indicia uma vagabunda da Praça da Concórdia, a pose não deixa de se revelar elegante na leve torção do dorso, no subtil cruzar de perna, na mão que agarra a cigarreira e prende o cigarro delicadamente sem deixar de mostrar segurança. E reforça ainda os adereços e os sapatos. Terá sido essa aparente ambiguidade que despoletou o seu interesse?
Encontre-se ou não a resposta, esta obra não deixa de relevar os vectores fundamentais da obra pictórica de António Soares: a atenção à pose, um fundo composto por manchas de cor que animam uma neutralidade aparente, o vibrar dos brancos, a capacidade no tratamento em volumetria das figuras, os fundos a tender para o inacabado do motivo central para as margens da composição, a atenção dada às linhas de força da composição.
ASR
Maio de 2010