A instalação Amazônia, de 1992, representa uma casa amazónica sem tecto que Julião Sarmento (1948) concebeu a partir de uma estada na região amazónica. O carácter elementar, pobre e efémero da construção é uma resposta à experiência de contacto com o meio ambiente e humano na região, no âmbito da sua participação na exposição Arte Amazonas: uma contribuição artística, para a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento “Rio 92”. A mostra itinerou pelo Museu de Arte de Brasília, Bienal de São Paulo e Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, em 1992.
Do mesmo período mas com características diferentes é The Frozen Leopard (1991-92), obra do artista e, simultaneamente, nome de uma exposição colectiva – Der Gefrorene Leopard (Teil III) – em que Julião Sarmento participou, na galeria Bernd Klüser de Munique, em 1992. A mostra, que contou com obras de 19 artistas internacionais, entre os quais Georg Baselitz, Jan Fabre e Mimmo Paladino, teve por inspiração a fotografia de um leopardo congelado a 5000 metros de altitude no cume do Monte Kilimanjaro. Datada de 1926, a imagem suscitara o interesse do galerista aquando da sua publicação no semanário alemão Die Zeit, em notícia da revista Zeit Magazin, datada de 29 de setembro de 1989. Passados três anos, a mostra veio a evocá-la, tendo Bernd Klüser desafiado os artistas a refletirem sobre o simbolismo daquela imagem e dos valores que o felino representava: a coragem, a morte, a ameaça, a energia, a solidão existencial, termos que segundo o curador poderiam paralelamente representar a posição e condição existencial de todos os artistas.
Composto por duas zonas, o trabalho de Julião Sarmento fazia referência ao leopardo pela representação de manchas e do padrão da pelagem do felino na parte superior da tela, a mais ampla da composição, e, na parte inferior, pelos traços elementares esboçados com finas linhas que simulavam formas estilizadas e fragmentadas de árvores.
Se o título e tema desta obra têm por contexto a proposta expositiva de Bernd, eles enquadram-se e partilham a lógica de um núcleo de trabalhos executados por Sarmento na década de setenta. Entre estes contam-se obras desenvolvidas com fotografias a preto e branco e foto-textos, onde evocou animais selvagens e trabalhou sobre a pele e as suas conotações simbólicas e metafóricas, caso das peças da série Areia, de 1975, que faz uso de pele sintética de cobra e fotografias, e Sem Título, de 1975, onde uma mulher veste casacos de peles de diferentes animais. Os felinos estão ainda presentes em A true story, 1975, e nas experiências que desenvolveu em Jaula/Cage, 1975-1976, com animais enjaulados, no Jardim Zoológico de Lisboa. Muito antes do desafio de Bernd Klüser, Julião Sarmento representava outra precariedade comum à condição do animal selvagem e do artista: a perda sempre possível da liberdade.
Sandra Vieira Jürgens
Outubro 2014