- 1938
- Tela
- Óleo
- Inv. 04P1268
Mário Eloy
Fuga
«Apaixonava-se perdida e intempestivamente. Sonhava. Criava no Mundo lírico da sua Alma um iludido sonho de Amor. Erguia, assim, castelos de ventura plenos de ternura. Gastava então todo o dinheiro que lhe chegasse às mãos em braçadas de flores que enviava à Bela dos Seus Encantos… Compunha, em sua honra, inspirados desenhos e pintava quadros como a “Fuga”, por exemplo…».*
As palavras são de Jorge Segurado e servem admiravelmente esta obra de Mário Eloy, onde se confundem os desígnios pessoais do pintor e os desígnios do mundo. A Bela que se esvai nos braços do auto-retratado conta histórias trágicas de amores destruidores que são também, seguramente, cenas de guerra. De Berlim, onde se instala em 1927 e onde casaria, Eloy regressa definitivamente em 1933, sem a mulher, Dora – que nunca se conseguiu adaptar a Portugal –, e sem o filho. Em 1939, mãe e filho fugiam para a Checoslováquia e depois para a Holanda, após a invasão do território checo pelas tropas alemãs. Como não ver, então, naquela petrificada cabeça feminina que o pintor estreita furiosamente na tela, uma alegoria do impossível (mas sonhado?) amor conjugal (e familiar)? Ou ainda, a perda de Berlim que, com Paris, lhe dera a pintura e que foi obrigado a abandonar devido aos conturbados tempos que precederam a Segunda Guerra Mundial. Em 1933, com a chegada de Hitler ao poder, todo o estrangeiro se tornara persona non grata.
O sangue da ferida goteja através dos dedos do pintor, qual ramo de rosas vermelhas a dizer a sua paixão. Num gesto arrebatador – espécie de êxtase final anunciado pelo tom azul que lhe colora os dentes e o canto do olho – o artista investe contra um muro espesso atrás do qual se desenha o mundo frio da doença e da morte. A doença de Huntington, que lhe seria detectada em 1940 e o conduziria ao Hospital do Telhal, exprime aqui premonitoriamente o sofrimento dos tempos sombrios e dos horrores, seus e do mundo, que estavam para vir. Suspenso no ar, envolto numa nuvem azul que o arrebata e aspira, Eloy funde a sua existência num nó cego com a «humanidade actual e confusa, triste e emudecida» descrita pelo surrealista António Dacosta, em 1943. Pintor «em fuga», o salto que dá liberta-o de vez das tradições que lhe «desvirtuam uma execução obediente», como o próprio escreve no catálogo do I Salão dos Independentes (1930). O pintor-poeta tem agora «na cabeça pincéis em vez de cabelos», numa execução mais directa da pintura como a quer. Liberto da realidade – o tal muro que rompe, mas que, simultaneamente, em 1938-39 o retém, ainda, até ao largar definitivo das amarras na longa agonia que o espera –, cada pincelada traduz uma intenção imediata e pura da sua extraordinária imaginação. De incrível força plástica, este poderoso auto-retrato sela a passagem sem regresso de Eloy para um mundo dominado pela alucinação e pela tortura.
Isabel Lopes Cardoso
Maio de 2010
* Jorge Segurado, Mário Eloy: pinturas e desenhos, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1982.
Tipo | Valor | Unidades | Parte |
Largura | 80 | cm | |
Altura | 100 | cm |
Tipo | assinatura |
Tipo | Aquisição |
Data | Dezembro de 2004 |
Portuguese Art since 1910 |
Royal Academy of Arts |
Setembro de 1978 Londres, Royal Academy of Arts |
Exposição colectiva, realizada em Londres, no ano de 1978. Catalogo editado pela F.C.G. |
Exposição Retrospectiva da obra do pintor Mário Eloy 1900-1951 |
Março a Maio de 1958 Porto, Escola Superior de Belas-Artes |
1 de Março de 1958 Lisboa, S.N.I. |
Lisboa /Porto, 1958 |
4ª Exposição de Arte Moderna |
Dezembro de 1939 Lisboa, SPN |
No SPN, Dezembro 1939. |
De Amadeo aos anos 60 |
17 de Junho a 10 de Julho de 1988 S. João da Madeira, Centro de Arte de S. João da Madeira |
S, João da Madeira, 1988 |
O rosto da máscara - A auto-representação na Arte Portuguesa |
Centro Cultural de Belém |
Maio 1994 Lisboa Centro Cultural de Belém |
Maio 1994 |
Mario Eloy. Exposição retrospectiva |
12 de Julho a 29 de Setembro de 1996 Lisboa, Museu do Chiado |
Museu do Chiado, 1996 |
A Partir da Colecção |
CAMJAP/FCG |
Curadoria: CAMJAP/FCG |
25 Julho de 2006 a 29 Abril de 2007 Museu do CAMJAP - Piso 01 |
Comissariado: Jorge Molder e Leonor Nazaré |