Trilogia «A World of Illusions», de Grada Kilomba, na Coleção do CAM
Grada Kilomba (1968) é uma artista, escritora e psicóloga portuguesa de ascendência angolana e são-tomense, licenciada em Psicologia Clínica e Psicanálise, e doutorada em Filosofia.
Com obra exposta em diversos países, a artista desenvolve um trabalho transdisciplinar, efeito da sua formação académica, refletindo sobre temas importantes da sociedade contemporânea como a memória, a raça, o género, a identidade e o pós-colonialismo. Na sua obra combina teoria da psicanálise, de estudos pós-coloniais, queer e de género, com diferentes meios de expressão artística – performance, teatro, música e literatura – como forma de criar diferentes linguagens, uma vez que «não é possível contar novas histórias e novas narrativas com o mesmo vocabulário.»[1]
Criando imagens únicas para desconstruir os conceitos de conhecimento, poder e violência, Grada Kilomba procura trazer para o presente a memória do passado colonial, sublinhando a necessidade de reconhecer o silenciamento a que é submetido o indivíduo negro, de modo que a descolonização de pensamento e de tomada de voz do sujeito da diáspora africana possa desenrolar-se.
Na trilogia A World of Illusions, que pertence agora na sua totalidade à Coleção do CAM através da aquisição no final de 2021 dos dois últimos volumes da trilogia, Grada Kilomba recorre a figuras da mitologia grega – Narciso, Édipo e Antígona – reescritas e interpretadas por atores, articulando com a história colonial para dar corpo e forma à sua escrita crítica, gerando um debate sobre os direitos humanos na atualidade. Através de um gesto subversivo e poético, contos clássicos e questões políticas contemporâneas dialogam entre si, convidando a refletir sobre temáticas pós-coloniais de racismo, opressão de género, violência e novas configurações de poder e de saber.
Assim, na série Illusions, a artista reconta os mitos gregos, desconstruindo-os gradualmente e transformando-os em analogias à sociedade atual. No caso da instalação Illusions Vol. I, Narcissus and Echo, trata-se de uma metáfora para uma sociedade que ainda não resolveu o seu passado colonial e que é incapaz de ver além do seu próprio reflexo. A releitura transforma-se numa análise incisiva sobre a história de um sistema de deturpação e exclusão.
As outras instalações da trilogia seguem um percurso semelhante: Vol. II, Oedipus narra uma história sobre a violência, explorando-se o papel que o destino pode desempenhar para aqueles que vivem num sistema de reprodução de opressão cíclica; e Vol. III, Antigone desenvolve uma história sobre resistência e justiça, contada a partir de uma perspetiva feminista negra, na qual a protagonista se revolta contra o sistema patriarcal colonial para enterrar o seu irmão, transformando o enterro num ato político contra o esquecimento dos rostos e relembrando ao espetador a exploração e morte de trabalhadores negros nas plantações coloniais.
Associando o vídeo, à performance, ao som e à narração, a artista explora o poder de elementos culturais e tradições da diáspora africana (oralidade, produção musical e performativa), conjugados com figurinos e adereços simples, criando um espaço cru onde o corpo e a voz são proeminentes e o fundo branco cria uma sensação atemporal e espaço infinito.
[1] Grada Kilomba, e Sílvia Escórcio, “Grada Kilomba”, Contemporânea, ed. 12, n.º 5, 2017.