Nova obra de António Bolota
Uma chapa espessa de vidro temperado surge inesperadamente moldada sobre uma viga de madeira de secção quadrada, como se de uma toalha se tratasse. A forma curva que lhe permite ajustar-se resulta de uma astúcia simples: de cada vez que a peça é exposta, uma placa é impactada de modo a estilhaçar sem partir (como um vidro de automóvel) e, assim, tornar-se maleável.
A surpresa da forma num material que evoca rigidez é, porventura, o principal enigma, e, por isso, a força maior do efeito estético da obra. A madeira, essencial na obra de António Bolota (Benguela, Angola, 1962), transporta a memória das traves, postes, colunas e pilares do mesmo material, que tantas vezes transformaram radicalmente o espaço em que as propôs como instalação site specific. O vidro branco e a operação cuidadosa a que é submetido estabelecem um contraponto com a força monumental dessa memória, naqueles que a transportam, ou simplesmente com a sobriedade do objeto compacto e escuro de madeira, detentor de outra temperatura.
De matriz minimalista e construtivista, o trabalho de António Bolota foi adquirindo, ao longo do tempo, um lugar firme e peculiar no panorama da arte portuguesa contemporânea.
No seu trabalho ecoa o seu interesse por autores como Martin Kippenberger, Marc Manders, Thomas Schultz, Wolfgang Tillmans, Richard Tuttle e talvez, acima de todos, Robert Grosvenor.
Agente cultural e curador, empreendedor e criativo, o perfil de António Bolota sobrepõe iniciativa que abrange grupos de artistas e propostas individuais de intervenção em espaços, ou de escultura expandida. Nuno Faria refere a gestão «do geométrico e do orgânico, do ar e do sólido, da gravidade e da flutuação, do evanescente e do maciço, do natural e do artificial, do duro e do mole» no seu trabalho (folha de sala da exposição Sem Escala na Galeria Vera Cortês).
António Bolota é exímio a trabalhar a grande escala (com instalações exigentes ao nível da engenharia e do pensamento arquitetónico), apesar de também dominar a técnica das pequenas e médias esculturas, como esta e como aquelas a que se dedicou na exposição Ser Sombra, na Fundação Carmona e Costa, em 2019. A sua formação em engenharia e a sensibilidade arquitetónica não são alheias a essa capacidade, que permite gerir forças como a gravidade, o peso, a atração, a tensão ou o equilíbrio, a escala, a relação com o chão ou com o teto, com o corpo do espectador, com o rigor do desenho e dos acabamentos e com os materiais.
As peças que projetou e produziu «estão a meio caminho entre bidimensão e tridimensão, mas a questão que as agrupa não é de escala ou de volumetria; é, antes, a forma como nascem do plano e conquistam o espaço, desdobrando-se em materialidade, sombra e cor. Partindo da folha como mínimo denominador comum, o espaço potencial e experimental do desenho surge dos desdobramentos, intersecções, divagações geométricas, remissões ou citações mais ou menos voluntárias de momentos‐chave da história da arte (o construtivismo russo, o neoplasticismo neerlandês, o suprematismo, os neoconcretistas brasileiros, mas também Ângelo de Sousa ou Sol LeWitt), abstrações concretas ou experimentações materiais num movimento de grande liberdade criativa que engendra a diferença a partir da repetição» (idem, folha de sala).
Em Bicesse/Estoril, o seu conceito expandido de ateliê inclui armazéns, serralharias, carpintarias, terrenos, oficinas e escritórios. Há uma espécie de ocupação alargada de espaços e de pessoas em trabalhos vários, que se cruzam com o seu trabalho de engenheiro e com a sua fantasia artesanal e construtiva no campo artístico, empregando vários colaboradores pontuais. Todas as possibilidades, da peça mais rude e pesada à mais delicada, como esta, são asseguradas nesse território real de trabalho multifacetado.
Em 2009, António Bolota foi nomeado para o Prémio EDP Novos Artistas.