«Essa é uma das expectativas que eu tinha. Que qualquer pessoa possa ter um input nesta Fundação.»
O que te fez querer participar no Conselho Consultivo Jovem (CCJ) e quais eram as tuas expectativas quando te candidataste?
O que me fez candidatar foi o carinho que tenho por este sítio, principalmente o Jardim. Eu faço parte de um público que vem aqui bastantes vezes, que desfruta regularmente deste espaço, e haver um convite, uma porta aberta para a Fundação, despertou-me a atenção.
Não foi automático, ainda hesitei por não saber se seria compatível com a minha vida, com o meu trabalho. Mas três pessoas diferentes enviaram-me o convite e aconselharam-me a participar. Então também me candidatei para responder um bocado às expectativas das pessoas.
Isso é interessante, que te reconheçam para esse tipo de papel. E para além do jardim, havia já alguma coisa na Gulbenkian ou no CAM que te interessava?
A arquitetura. Eu gosto muito de arquitetura e trabalho muito com arquitetura e natureza urbanística. Fora do jardim, dentro da instituição, diz muito da identidade e com o facto de eu me sentir confortável aqui.
O CCJ já existe há uns quantos meses. Até agora, quais foram os momentos que mais te marcaram?
Acho que neste momento vou ser tendencioso. Vou escolher o evento do dia 18 de maio, Dia Internacional dos Museus.
Foi criada muita expectativa. E eu até sou uma pessoa que não crio muitas expectativas. Mas com este Dia dos Museus, que foi o primeiro evento em que trabalhámos todos em equipa e em que todos pudemos dar o nosso input, foi das coisas que mais me marcou por causa do orgulho que eu senti no grupo, e também na maneira como lidaram connosco na Fundação, no CAM.
Muito orgulho no grupo, porque somos todos de áreas muito diferentes, e eu estou habituado a fazer eventos, mas ver colegas meus a fazer esses eventos e perceber que eles também conseguem ser esses agentes culturais e dar o input deles, marcou-me muito.
Essa é uma das expectativas que eu tinha. Que qualquer pessoa, independentemente de quem seja, possa ter um input nesta Fundação.
O que é que achas que, hoje em dia, um jovem espera de uma instituição cultural?
Ser ouvido. Porque sinto que houve um boom evolutivo nos últimos 20-30 anos, com o aparecimento da Internet, e o gap intergeracional está a aumentar.
Então, para os jovens, é sentirem que são ouvidos. Que [as instituições culturais] usem palavras, linguagem, que os jovens usam, que tenham eventos em que os jovens participam regularmente, tanto dentro como fora do país. Coisas que eles vão procurar fora e que esta instituição cultural que está em Lisboa oferece porque existe essa procura.
E é daí que vem um bocado aquilo que nós estamos aqui a fazer. Um processo de auscultação, entre os jovens.
No fundo, é mesmo sentirem-se ouvidos. Sentirem que há um bocado deles dentro da instituição.
No teu caso, és também um artista. O que é que um artista jovem procura numa instituição cultural?
Eu ligo muito a minha cena artística à criatividade, e a criatividade é criar atividade. Portanto, quando eu venho para aqui, para uma fundação, procuro criar essa atividade. Sinto que uma das coisas que tem de se fazer é redefinir o significado de arte e de artista: o que é que se pode chamar artista e o que é que se pode chamar arte?
E o que é que uma instituição cultural pode estar a fazer para afastar alguém como tu, um artista emergente, um artista jovem?
Honestamente, diria que os critérios e a avaliação são dois grandes temas: o que é que define um artista, o que é que define o que é “boa” arte, uma arte que é “importante”, a que é não é… Eu sinto que é preciso redefinir isso tudo.
Tendo em conta a minha perspetiva do que é um artista – que um artista deve ser livre e deve ser livre de pensar e de imaginar e de, por mais utópico ou distópico que seja o tema que está a abordar, ou o modo como está a abordá-lo – a instituição deve ter um sítio para essa pessoa.
Eu parto de um ponto de vista muito exterior. A instituição, neste caso, deveria posicionar-se fora para perceber e estar preparada para qualquer eventualidade da arte e do artista.
É talvez a falta de flexibilidade que acaba por afastar muitas destas pessoas…
Porque o mundo está constantemente em mudança. E os artistas são quem dita essa mudança.
Então, se a instituição não está a acompanhar essa mudança, isso atrasa muito. Artistas morrem, artistas deixam de fazer coisas, artistas focam-se noutras coisas… artistas perdem a sua energia, o seu impulso. E são coisas cruciais. Uma instituição cultural não pode esquecer nada disto.
Tu fazes parte do coletivo The Blacker the Berry, dedicado à comunidade negra queer. Como é que imaginas o CAM também a trabalhar com esta comunidade?
Em primeiro lugar, a representação.
Não é só a comunidade negra, nem só a comunidade queer. Estamos a juntar dois grandes problemas sociais que existem no mundo. Então, acabam por ser pessoas que são muito suscetíveis a não só um tipo de agressões. Eu diria mesmo criar uma espécie “safer spaces” (espaços mais seguros). Estarmos sempre abertos a qualquer coisa que possa entrar.
Acho nos devemos focar na criação desses espaços seguros, que envolve também chamar pessoas dessas comunidades. Não pôr pessoas fora dessas comunidades a falar sobre estes temas, que é uma coisa que já não se deveria estar a fazer e acho que ainda se faz um bocado nesta instituição.
Por exemplo, recordo-me de uma apresentação de um livro sobre colonialismo que me levou a questionar porque é que não estava cá ninguém da comunidade, que gostaríamos de ter mais diversidade.
Mas nós, enquanto comunidade, já não estamos nesse tipo de conversas. Para nós, o colonialismo já está mais do que sabido e estamos mais no processo de descolonização do que a falar ainda sobre a colonização e como é que foi.
No início do projeto do Conselho Consultivo, pedimos-te que escolhesses duas obras da coleção do CAM: escolheste uma obra da Grada Kilomba, A World of Illusions, e A Lanterna Onírica do José Manuel Espiga Pinto. Porquê estas duas?
O da Grada Kilomba porque é muito querido para mim. Trata-se de uma artista que tenho vindo a acompanhar, que tem estado a trabalhar muito bem, e é um orgulho vê-la aqui como uma das artistas negras representadas na Coleção.
Identifico-me com ela, e portanto dá-me a perspetiva de que também posso chegar ali. Antes de integrar o CCJ não sabia que ela tinha peças na Coleção. Há tempos, já tinha visto essa obra numa exposição em Paris e gostei bué. E então perceber que o CAM comprou a trilogia foi emocionante.
E a outra obra, não fazia ideia de quem era, e foi por curiosidade. Quis descobrir. Não fazia ideia quem era a pessoa de quem era a peça, de que forma era feita. Foi mesmo curiosidade de olhar e também porque gostei da pintura. Falou comigo, senão não a teria escolhido.