Coletivo 目[mé]: «Não há respostas claras para o ato de apreciar»

Os três membros do coletivo 目[mé] falam-nos da apresentação de «Masayume» em Lisboa e sobre a forma como o público recebeu a instalação que inaugurou a Temporada de Arte Contemporânea Japonesa.
24 out 2023 4 min
Engawa

O que é que a apresentação de Masayume em Lisboa teve de especial?

Foi o 縁 [en] [destino]. É exatamente aquilo que o título da temporada 縁側 [engawa] indica. Em inglês, 縁 [en] também pode ser interpretado como acaso feliz. Foi um sonho vislumbrado por acaso; um rosto escolhido entre as candidaturas enviadas por pessoas de todo o mundo.

Foi a especificidade das ruas e da topografia de Lisboa que nos convenceu de que este era o sítio certo para apresentar o nosso trabalho. E as pessoas da Fundação Gulbenkian e do CAM, juntamente com a curadora e os responsáveis pelo projeto, que trabalharam dia e noite para negociar e coordenar os voos. O piloto e os seus colegas que arriscaram a vida para realizar os voos. O ex-militar que coordenou todos os locais do projeto. Os gestores de cada sítio. O facto de os locais terem sido escolhidos com base numa velha memória da pessoa responsável.

O facto de Lisboa ter sido o primeiro local do mundo onde o ser humano voou, num balão, bem perto de um dos locais do projeto. As expectativas do público em relação à apresentação. A reação das pessoas que, por acaso, se depararam com o projeto. A reação da audiência na Internet. E até mesmo o tempo que fez nos dias dos voos. Se qualquer um destes fatores tivesse sido diferente, o projeto não teria sido realizado desta maneira.

Qual é o vosso sentimento sobre a reação das pessoas em Portugal?

Achámo-las extremamente generosas. No quarto e último dia, o projeto estava lentamente a ganhar fama na cidade de Lisboa e acorreram mais de 400 espectadores ao local. Nesse fim de tarde, enquanto nos preparávamos para a nossa última oportunidade de voar, o vento era forte e todos sabiam que não seria possível descolar.

Apesar de o saberem, houve espectadores que permaneceram o tempo todo, a observar os preparativos. E quando chegou o momento de tristemente cortarmos a fita da barricada, o público explodiu num aplauso. As pessoas aproximaram-se de nós e o Kenji Minamikawa, um dos artistas da equipa 目[], disse-lhes: «Não pudemos voar. Peço desculpa». E vários dos membros do público responderam: «De que é que está a falar? Isto é arte», ou «Obrigado por apresentarem este trabalho em Portugal», ou «Obrigado por terem vindo a Portugal». O Kenji não conseguiu conter as lágrimas.

Pensávamos que, provavelmente, teríamos de explicar ao público que o projeto não consistia apenas no momento do voo, mas que incluía também os períodos que o precediam e sucediam. Nunca imaginámos que o próprio público nos explicaria isso mesmo.

Quando decidimos apresentar uma obra de arte, temos de estar preparados para aceitar qualquer crítica que nos seja dirigida. No entanto, apercebemo-nos de que o público já estava grato pela oportunidade de ver a obra, quer ela voasse ou não. Sem qualquer explicação por parte dos artistas, aceitaram o nosso trabalho e apreciaram-no.

O que sentem que mudou depois desta experiência?

Tal como não há respostas claras para a arte, também não há respostas claras para o ato de apreciar.

No entanto, para nós, a reação do povo português foi muito respeitosa. Uma das artistas da equipa 目[], Haruka Kojin, disse sentir que «a sensibilidade é independente». Sentimos a liberdade e a alegria de poder apresentar o nosso trabalho num maior número de lugares e a um maior número pessoas, como um peixe fora de água (um peixe que salta de um aquário para o mar). E sentimo-nos mais motivados do que nunca. Agradecemos muito por tudo.

Sugestões dos artistas

Haruka Kojin

Livro: In Wildness Is the Preservation of the World, de Eliot Porter e Henry David Thoreau
Música: Smells Like Content, de The Books
Artista: rosas/Anne Teresa De Keersmaeker
Lugar favorito em Lisboa: Miradouro da Senhora do Monte 

Kenji Minamigawa

Livro: Warped Passages, de Lisa Randall
Música: Try, de Sidsel Endresen and Bugge Wesseltoft
Artista: Xavier Dolan
Lugar favorito em Lisboa: Áreas em torno do Jardim da Cerca da Graça

Hirofumi Masui

Livro: The Flowering Spirit, de Zeami
Música: Kei Ogura, de Ai San San
Artista: Enzo Mari
Lugar favorito em Lisboa: Alameda Dom Afonso Henriques (a atmosfera do lugar, incluindo o público e a equipa, enquanto estávamos a preparer o voo, levou-me a adorar este lugar)

Série

Engawa

Temporada de arte contemporânea que trouxe a Lisboa um conjunto de criadores do Japão e da diáspora japonesa, muitos dos quais pela primeira vez em Portugal.

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