«A arte pode ajudar a trazer vozes de pessoas silenciadas»

Leonor Rosas partilha a sua experiência no Conselho Consultivo Jovem e reflete sobre os desafios de trazer os públicos jovens às instituições culturais e sobre o poder transformador da arte na sociedade.
29 fev 2024 12 min
Conselho Consultivo Jovem

O que te fez querer participar no Conselho Consultivo Jovem (CCJ)?

Já há algum tempo que vinha a pensar que gostava muito de ter algum envolvimento no trabalho de um museu. Sempre tive muito interesse, do ponto de vista académico, por estudar a história do museu como instituição, estudar uma série de questões de igualdade e diversidade nos museus, e tinha muita vontade de ter uma experiência sobre o dia-a-dia de um museu.

Depois vi as candidaturas abertas para o Conselho Consultivo e fui ler o regulamento da candidatura, o que é que se estava à procura, o que servia. Fiquei muito entusiasmada porque, para além de ser uma experiência para conseguir conhecer uma instituição museológica por dentro, o projeto em si pareceu-me interessante ao colocar a questão de como é que a arte pode transformar a sociedade. Pareceu-me estar muito ligado a questões de movimentos sociais e de justiça social que para mim são importantes e fazem sentido.

Também achei interessante o facto de quererem ouvir o público, de ouvir pessoas mais jovens para tentar aproximar um público mais jovem. E candidatei-me. Achei que não tinha nada a perder.

E antes de participares no projeto, como era a tua relação com o CAM ou com a Fundação?

Tanto o CAM como a Fundação sempre estiveram muito presentes na minha vida. Eu sempre morei perto da Gulbenkian e é uma memória que eu tenho – desde, não sei, desde que me lembro – de vir muito à Gulbenkian com os meus pais. Lembro-me muito de vir ao CAM, especialmente de vir, ao fim de semana, almoçar à cafetaria do CAM. Algumas destas são memórias que eu ligo muito à infância. E também acho que sempre fiz um grande usufruto do Jardim, já depois da infância, em adolescente. Agora continuo a vir para cá quase todas as semanas, venho muitas vezes às exposições.

Acho que é muito bom poder participar no CCJ por ter a oportunidade de ver como é que tudo funciona num sítio a que eu venho desde sempre e pelo qual sempre tive muito interesse e grande consideração.

O CCJ é dedicado a pensar as audiências mais jovens. Em que é que achas que diferem as audiências mais jovens das restantes?

Eu acho que há coisas que unem e outras que separam. Acho que há muitos jovens interessados e, pensando nos meus amigos, as pessoas com quem me dou e com quem vou falando, quando pergunto sobre que exposições vão ver ou a que exposições foram nos últimos tempos, são sempre exposições ligadas a grandes debates da atualidade.

Por exemplo, as exposições Tudo o que eu quero, com as artistas mulheres e Europa Oxalá, com a questão dos artistas racializados. Estas exposições que tocam em grandes temas, em questões de justiça social, de combate às desigualdades, acho que são coisas que motivam muito as pessoas da minha idade a vir. Elas sentem que, ao ato de vir ver uma exposição, se junta uma questão também de debate sobre a atualidade e que permite a seguir debatermos entre nós o que achamos sobre isto: como é que as mulheres ou outras minorias sociais podem estar representadas?

Há alguns desafios de que nós também temos falado muito no Conselho Consultivo. Eu não tenho propriamente uma resposta para isso, mas acho que há alguns desafios em tentar perceber como é que se pode fazer com que algumas gerações mais jovens que estão muito ligadas aos ecrãs, aos telefones e aos computadores, queiram sair de casa e vir a um museu ou se interessem por uma exposição de arte. Penso que nós, aqui no Conselho Consultivo, também estamos um bocadinho a tentar perceber como é que se pode chamar esse público que está um pouco fechado no digital.

Na tua candidatura ao CCJ, referiste que querias contribuir para construir espaços museológicos abertos a todas as pessoas. Quais achas que são as maiores barreiras para essa abertura?

Eu escrevi isso do ponto de vista de uma pessoa que sempre gostou muito de vir a museus mas que, em grande medida porque os meus pais sempre me trouxeram, teve essa sorte, esse privilégio. Acho que foi muito importante para o meu desenvolvimento pessoal. Penso que a arte e a possibilidade de contactar com exposições de arte é tão importante para o nosso desenvolvimento pessoal que gostava que isso fosse uma coisa que estivesse ao alcance de toda a gente.

A verdade é que muitas vezes há pessoas que têm menos acesso a estes espaços museológicos não porque eles não sejam grátis ao fim de semana ou não haja bilhetes com preços reduzidos, mas porque estas pessoas não estão nos circuitos culturais onde se fala disto e não têm acesso à informação. Ou talvez também porque não se interessam ou não se reveem exatamente no que está a ser exposto.

Por isso é preciso criar estratégias para chegar a públicos diferentes, comunidades marginalizadas, por exemplo; temos discutido muito isso no Conselho. Como é que se pode ter um espaço mais acessível a todo o tipo de pessoa, com todo o tipo de formação académica ou formação superior? Isto passa por mediação cultural, por comunicação, por pensar temas, disposições que possam interessar a mais pessoas. Neste processo, eu percebi que, na verdade, algumas destas coisas já estão a ser feitas e de forma bastante interessante. Há esse esforço de mediação e de comunicação que precisa de continuar a ser feito.

Também falas do papel central da arte na transformação social. De que forma é que achas que a arte é fundamental nesse aspeto?

Eu acho que a transformação de uma sociedade tem sempre uma vertente cultural. E uma vertente cultural não é uma coisa neutra, ou algo transcendental: é uma coisa onde também se faz o debate e a disputa de ideias. E, apesar de eu não acreditar numa ideia de que a arte não tem necessariamente um propósito político, essa é a única arte que se valoriza. Não concordo muito com isso, acho que todo o tipo de arte faz parte de um projeto de disputa de ideias. Mesmo aquela que acha que não faz, acaba por fazer.

Por isso mesmo, acho que a arte pode ajudar a desafiar pressupostos – preconceituosos – na sociedade e trazer vozes de pessoas silenciadas. Uma pessoa pode-se sentir tocada na sua experiência pessoal, desafiada por uma obra de arte, qualquer tipo de obra de arte. Isso ajuda a transformar ideias. E nós também já fomos falando disso nas sessões. Especialmente, nesta altura, que é tão de consumo rápido de vídeos de 20 segundos, acho que a arte tem uma capacidade de nos abstrair destas coisas de consumo muito rápido, de nos levar a ter sensações e reflexões mais profundas. Ou seja, experienciar arte é também uma forma de combater um mundo cada vez mais rápido.

Também te referes muitas vezes a espaços culturais como veículos políticos. Como é que imaginas o papel de uma instituição cultural como ator político?

Quando eu me refiro a veículos políticos, não me estou a referir no sentido de fazer propaganda política. Não é nada disso! São veículos políticos porque acho que qualquer instituição cultural que tenha uma certa dimensão tem responsabilidades sociais. Uma instituição como a Gulbenkian ou como outros grandes museus, quer sejam públicos ou privados – não faço essa distinção neste caso –, que cheguem a públicos tão abrangentes, têm sempre a responsabilidade social. Por exemplo, não difundir mensagens que possam ser de ódio ou antidemocráticas ou que sejam insultuosas para algum tipo de comunidade. Acho que isso é o mínimo.

Acho que a questão da sustentabilidade também é uma questão de responsabilidade social à qual uma instituição tão grande não se pode furtar: também deve prestar contas sobre a sua própria sustentabilidade. Essa é uma questão muito importante, como todas as outras questões de justiça social e de combate às desigualdades, que acho que devem estar sempre no pensamento das pessoas que gerem este tipo de instituição.

Em termos de trabalho com o grupo e a dinâmica de equipa, como está a ser para ti fazer parte do Conselho? 

Eu estou a gostar muito da experiência. Estava com grandes expectativas e ainda assim conseguiu superar as minhas expectativas.

Em primeiro lugar, acho que é uma equipa que funciona mesmo bem, porque somos todos pessoas que, tendo pontos de vista e histórias de vida diferentes, trazemos contributos que acabam todos por convergir, pelo menos em pontos fundamentais. Todos temos uma visão de mudança, necessidade de transformação social e de reflexão sobre questões sociais. Apesar de contar com pontos de vista muito diferentes, esta ideia de que é preciso rejuvenescer, mudar e transformar tem gerado debates muito interessantes.

Estamos todos sempre muito abertos a partilhar, a falar à vontade. Temos ótimas discussões e, por isso, é um grupo que funciona muito bem. Até agora temos estado sobretudo a conhecer as várias áreas do CAM – como é que trabalham, estamos a fazer as nossas perguntas – e a partir de agora é que vamos começar a concretizar mais ideias.

Tem sido uma experiência muito boa e acho que vamos conseguir fazer coisas interessantes e, espero, também proveitosas para a própria instituição que nos está a receber.

Disseste que já tiveram várias sessões, houve alguma em particular que gostaste mais?

Acho que a sessão de que eu mais gostei e que me marcou mais foi quando estivemos a reunir com a equipa da Coleção do CAM e no dia em que fomos às reservas ver as obras que tínhamos escolhido. Falámos um bocado sobre a política de aquisições de obras e eu fiquei mesmo positivamente surpreendida por saber mais sobre os guidelines de aquisição de novas obras  – preocupações com questões de género, de identidade étnica ou racial e de sustentabilidade que são transversais a esta política de aquisição de novas obras. Percebi que havia muito debate a acontecer sobre isso.

Foi muito interessante a apresentação que foi feita pela Margarida Mafra, a Gestora da Coleção. E termos tido a oportunidade de visitar as reservas onde estão as obras do CAM foi uma experiência única! Foi especial podermos ver as obras que tínhamos escolhido e ver aquelas salas. Foi um dia de que eu gostei muito.

Tu escolheste uma obra da Sonia Delaunay  e a “A biblioteca em fogo” da Maria Helena Vieira da Silva. Porque é que escolheste estas duas obras?

Eu escolhi a gravura sem título da Sonia Delaunay, que foi a que eu acabei por ir ver nas reservas, porque gosto muito dela, sempre gostei muito dela. Em miúda, lembro-me de vir ver, já há alguns anos com os meus pais, uma exposição sobre os Delaunay no CAM. Na altura marcou-me porque gostei muito. E escolhi-a também por ser uma pintora mulher que está aqui disponível para nós vermos. Ainda agora, há pouco tempo, quando foi a exposição Histórias de uma Coleção, também estava um quadro dela na exposição. Acho que ela é uma mulher com uma história de vida muito interessante, com uma obra que eu gosto muito e fiquei muito entusiasmada por a poder ver ao vivo, nas reservas.

Escolhi a obra da Vieira da Silva, na verdade, porque é assim um bocadinho clássico, não é? É um clássico da coleção daqui, e acho que é uma artista incontornável. E também a tinha visto recentemente. E então escolhi essa porque eu acho que, apesar de eu gostar muito da Vieira da Silva, a Delaunay talvez seja das minhas artistas preferidas.

Pegando no título do teu livro, De quem se esqueceu Lisboa?, desafio-te a pensar “de quem se esqueceu” a Gulbenkian?

Esta pergunta é de facto um desafio. Eu acho que ainda estou um pouco a descobrir como é que funciona a Gulbenkian e o que é que se passa aqui, para poder responder com mais propriedade a essa pergunta.

Sinto que definitivamente não se esqueceu das mulheres. Eu fiquei mesmo contente por ver imensas equipas com mulheres jovens que vieram falar connosco, mulheres a liderar várias equipas. Acho que há muito pensamento sobre questões de género e sobre representação das mulheres. Mostraram-nos um projeto para um livro que está a ser feito sobre a história da Madalena Perdigão, que foi uma mulher importante, ou seja, estão a valorizar o papel de uma mulher. Achei que definitivamente não se esqueceu das mulheres, e isso, como mulher, deixa-me contente.

E, para terminarmos, quais são as tuas expectativas para a reabertura do CAM?

Acho que as minhas expectativas são altas, até porque já tivemos oportunidade de reunir sobre alguns dos projetos expositivos que parecem muito entusiasmantes e tenho muita vontade de os ver concretizados. Como tivemos a oportunidade de ver o plano das obras e de como vai ser o edifício, também estou com muita curiosidade para o ver realmente. Eu costumava vir muito ao CAM antes de ele fechar para obras, por isso tenho a expectativa de poder vir ainda mais.

Como parte do Conselho, também tenho a expetativa de poder ver mais de perto algumas coisas que não veria de outra forma. Quero trazer cá amigos, familiares, e vir e participar sempre que puder nas atividades que o CAM for propondo nos próximos tempos.

Série

Conselho Consultivo Jovem

O Conselho Consultivo Jovem é um projeto criado com a intenção de ampliar e aprofundar a sua relação com os públicos mais jovens. É composto por nove pessoas que refletem sobre as necessidades das novas gerações, contribuindo com ideias e participando na ação e no desenho da programação do CAM.

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