«Talk to me» de Pires Vieira

Oito desenhos da série «Talk to me», de Victor Pires Vieira, foram agora adquiridos para a Coleção do CAM, juntando-se às outras duas obras do artista que haviam sido adquiridas em 1999 no seguimento de uma exposição temporária no CAM.
Leonor Nazaré 26 nov 2021 3 min
Obras da Coleção do CAM

Em 1999, o CAM expôs a série Talk to me de Pires Vieira, na sua Galeria de Exposições Temporárias e adquiriu duas dessas  obras. A exposição/instalação era composta por 24 desenhos de grandes dimensões, realizados entre 1997 e 1998, emoldurados e assentes no chão sobre tarolos de madeira, contra a parede, num alinhamento compacto e contínuo.

O carácter de instalação tornava importante que a Coleção do CAM reunisse um número significativo de desenhos da série, o que não foi possível concretizar na altura. O CAM adquiriu agora mais oito, corrigindo essa faceta da obra na Coleção: em futuras apresentações será mostrado um conjunto de dez obras, procurando, desse modo, atribuir-lhe o impacto que o conjunto deve proporcionar.

Pires Vieira Sem título, da série «Talk to me», 1997-1998. Inv. 21DP4720
Pires Vieira Sem título, da série «Talk to me», 1997-1998. Inv. 21DP4719

Ao referir-se à forma orgânica desenhada a negro que se repete, Daniel Peres fala numa «mandorla distorcida que, desenho após desenho, vai disputando o espaço com vários signos avermelhados. São pictogramas de recorte estanque e planura monocromática, em tudo contrastantes com as névoas que os envolvem. A vocação figurativa dessas entidades ora parece evidente, ora surge dúbia e mais indecifrável. O perfil de um rosto humano aparece em várias peças. Tem por vezes a língua de fora, pontiaguda e afiadíssima – tónica dos outros elementos afilados e acutilantes que vão aparecendo: cavilhas, pregos, botas e sapatos de pontas e saltos bicudos, plantas de folhas cortantes, e outros artefactos, menos identificáveis» (Pires Vieira. Talk to me – História das Exposições de Arte Gulbenkian). As formas negras podem ser também orelhas ou contornos de vulva, signos e símbolos mais ou menos abstratos que, tal como as estruturas geométricas de outras fases, são «replicados em variações e recombinações» (Ibidem).

Pires Vieira Sem título, da série «Talk to me», 1997-1998. Inv. 21DP4723
Pires Vieira Sem título, da série «Talk to me», 1997-1998. Inv. 21DP4722

Em 1994, Cerveira Pinto refere relações do artista com Brice Marden e Allan McCollum, e ainda com Jorge Pinheiro, Ângelo de Sousa, Fernando Lanhas e Fernando Calhau. Nessa altura, Ad Reinhardt, muito marcante na década de 1970, seria já uma referência muito longínqua. A série de Pires Vieira intitulada Aproximação a um inventário de desejos reprimidos teve versões em desenho, expostas, por exemplo, na Galeria Pedro Oliveira, e ficava próxima de séries como Mostruários e Vestiários, de 1995. Este vocabulário formal antecede imediatamente a série Talk to me e explica a sua origem. Podemos, por isso, considerar que esta série corresponde a um momento formal de confluências fortes no percurso do artista.

Pires Vieira Sem título, da série «Talk to me», 1997-1998. Inv. 21DP4718
Pires Vieira Sem título, da série «Talk to me», 1997-1998. Inv. 21DP4724

Numa extensa entrevista com Miguel Wandschneider publicada no catálogo desta exposição, Pires Vieira afirma que a relação entre a medida dos trabalhos e a do seu corpo sempre lhe interessou; que as referências ao corpo acabam sempre por remeter para o seu próprio; e que «a tentativa de reconstituição ou de compreensão duma totalidade é uma tentativa de aproximação ao modelo, ao corpo ideal, ao corpo que se deseja» (Pires Vieira. Talk to Me, Lisboa: CAM, 1999).

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