Nova obra de António Bolota

Em 2020, o CAM adquiriu a obra Sem título, de António Bolota. Saiba mais sobre esta obra neste artigo da curadora Leonor Nazaré.
28 mar 2022

Uma chapa espessa de vidro temperado surge inesperadamente moldada sobre uma viga de madeira de secção quadrada, como se de uma toalha se tratasse. A forma curva que lhe permite ajustar-se resulta de uma astúcia simples: de cada vez que a peça é exposta, uma placa é impactada de modo a estilhaçar sem partir (como um vidro de automóvel) e, assim, tornar-se maleável.

A surpresa da forma num material que evoca rigidez é, porventura, o principal enigma, e, por isso, a força maior do efeito estético da obra. A madeira, essencial na obra de António Bolota (Benguela, Angola, 1962), transporta a memória das traves, postes, colunas e pilares do mesmo material, que tantas vezes transformaram radicalmente o espaço em que as propôs como instalação site specific. O vidro branco e a operação cuidadosa a que é submetido estabelecem um contraponto com a força monumental dessa memória, naqueles que a transportam, ou simplesmente com a sobriedade do objeto compacto e escuro de madeira, detentor de outra temperatura.

De matriz minimalista e construtivista, o trabalho de António Bolota foi adquirindo, ao longo do tempo, um lugar firme e peculiar no panorama da arte portuguesa contemporânea.

No seu trabalho ecoa o seu interesse por autores como Martin Kippenberger, Marc Manders, Thomas Schultz, Wolfgang Tillmans, Richard Tuttle e talvez, acima de todos, Robert Grosvenor.

 

António Bolota, Sem título, 2015. Inv. 20E1925

 

Agente cultural e curador, empreendedor e criativo, o perfil de António Bolota sobrepõe iniciativa que abrange grupos de artistas e propostas individuais de intervenção em espaços, ou de escultura expandida. Nuno Faria refere a gestão «do geométrico e do orgânico, do ar e do sólido, da gravidade e da flutuação, do evanescente e do maciço, do natural e do artificial, do duro e do mole» no seu trabalho (folha de sala da exposição Sem Escala na Galeria Vera Cortês).

António Bolota é exímio a trabalhar a grande escala (com instalações exigentes ao nível da engenharia e do pensamento arquitetónico), apesar de também dominar a técnica das pequenas e médias esculturas, como esta e como aquelas a que se dedicou na exposição Ser Sombra, na Fundação Carmona e Costa, em 2019. A sua formação em engenharia e a sensibilidade arquitetónica não são alheias a essa capacidade, que permite gerir forças como a gravidade, o peso, a atração, a tensão ou o equilíbrio, a escala, a relação com o chão ou com o teto, com o corpo do espectador, com o rigor do desenho e dos acabamentos e com os materiais.

As peças que projetou e produziu «estão a meio caminho entre bidimensão e tridimensão, mas a questão que as agrupa não é de escala ou de volumetria; é, antes, a forma como nascem do plano e conquistam o espaço, desdobrando-se em materialidade, sombra e cor. Partindo da folha como mínimo denominador comum, o espaço potencial e experimental do desenho surge dos desdobramentos, intersecções, divagações geométricas, remissões ou citações mais ou menos voluntárias de momentos‐chave da história da arte (o construtivismo russo, o neoplasticismo neerlandês, o suprematismo, os neoconcretistas brasileiros, mas também Ângelo de Sousa ou Sol LeWitt), abstrações concretas ou experimentações materiais num movimento de grande liberdade criativa que engendra a diferença a partir da repetição» (idem, folha de sala).

 

 

Em Bicesse/Estoril, o seu conceito expandido de ateliê inclui armazéns, serralharias, carpintarias, terrenos, oficinas e escritórios. Há uma espécie de ocupação alargada de espaços e de pessoas em trabalhos vários, que se cruzam com o seu trabalho de engenheiro e com a sua fantasia artesanal e construtiva no campo artístico, empregando vários colaboradores pontuais. Todas as possibilidades, da peça mais rude e pesada à mais delicada, como esta, são asseguradas nesse território real de trabalho multifacetado.

Em 2009, António Bolota foi nomeado para o Prémio EDP Novos Artistas.

 

Leonor Nazaré
Curadora

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