«Mobília em 30 cm» de Patrícia Garrido na coleção do CAM

A nova obra da artista, adquirida pelo CAM em 2021, integra-se numa série de interiores habitacionais. Esteve exposta em 2023 na exposição "Histórias de Uma Coleção".
10 nov 2023

Patrícia Garrido nasceu em 1963 e vive e trabalha em Lisboa. Estudou Pintura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e iniciou a sua apresentação pública em 1988, numa exposição individual na Galeria Módulo, no Porto.

O seu trabalho, marcado desde sempre por uma escala individual, desenvolve-se a partir de uma cerrada marcação de si própria; conhece-se a medida do seu corpo, dos seus passos, as cores da sua maquilhagem, as suas roupas, alguns dos seus hábitos alimentares, as plantas das casas onde viveu, os espaços que adota e torna seus, mas, na realidade, Patrícia Garrido subtrai a todas essas obras, de registo autobiográfico, qualquer conteúdo interpretativo, construindo um inquietante paradoxo com essa identidade sobre-exposta e indecifrável. Centro do mundo e de si própria, lugar de reflexão pessoal e universal, a ideia de casa irá estabilizar a sua pesquisa, transformando-se no tema quase permanente da sua relação com o mundo.

Em 2009 a artista inicia um trabalho de campo, de levantamento de interiores de casas, públicas ou privadas, reúne e seleciona esse material em bruto e começa a sua transformação. Os móveis dos seus pais, o mobiliário da escola artística António Arroio, algumas peças soltas com identidades indistintas, como mesas, ou cadeiras, ou os recheios de casas anónimas localizadas em sites de venda on-line, tornam-se a matéria-prima de uma operação violenta. A artista toma esse todo com a identidade de quem o usou e viveu e fragmenta-o meticulosamente de modo a usar todas essas partes numa outra forma de vida.

A força dessas esculturas reside na exposição de uma energia misteriosa, resultante do ato brutal de cortar, empilhar, distribuir, encaixar, colar, sem desperdícios, todos esses pedaços de madeira, ferro, fórmica, tecido, no menor espaço possível, até encontrar a forma perfeita, fechada, selada, a que a artista dá o nome (matemático) de móveis ao cubo. Dito de outra maneira, são os sinais de passagem da vida, os ecos e as respirações que ficam guardados para sempre. Não se trata de soma, resumo ou síntese; neste plano de reordenação encontramos algo que se situa entre a matemática, a geometria e a filosofia, sobre pensar o lugar das coisas e das pessoas no mundo, cruzando o rigor da construção com a capacidade abstrata do pensamento. As soluções são estritamente visuais, utilizando a máxima informação para os mínimos efeitos. Neste poderoso território de estranheza, construído a partir dos elementos mais utilitários da relação do homem com os sítios, Patrícia Garrido desenvolve um exercício impiedoso sobre o desamparo da condição humana e da sua passagem pelo mundo.

Mobília em 30 cm integra-se na série destes interiores habitacionais (Mobília em 20 cm, …em 40 cm e …em 10cm), mas desmancha esta lógica fechada, rompe esta matriz e perspetiva uma outra dinâmica no espaço. Igualmente celular, esta nova ordem, que parte exatamente da mesma matéria, recupera um espaço de respiração e de liberdade. Mantendo como regras uma cota (altura) predefinida e um desenvolvimento no terreno, de qualquer terreno a que se adaptam e a partir de uma localização ortogonal, estes corpos de fragmentos avançam de modo invasivo, numa conquista irregular e sem fim previsível, inquietantes.

Helena de Freitas
Curadora do Centro de Arte Moderna

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