«For Laura» de Jaime Welsh na Coleção do CAM

Duas obras da série «For Laura», de Jaime Welsh, integraram no início deste ano a Coleção do CAM. Saiba mais sobre estas obras no artigo do curador José Oliveira.
15 jul 2022

Para Jaime Welsh (Lisboa, 1994) o seu círculo de amigos e a vida das pessoas que vai conhecendo e admira são uma parte importante na composição das suas séries e For Laura não é exceção.

Laura, a quem é dedicada a série, é o nome da mãe de um grande amigo e artista – Kevin Brennan – que, ao mesmo tempo, é o protagonista do conjunto de imagens que a constituem. Porém, o que prevalece na série não é o desígnio da amizade ou a admiração que Welsh tem por Laura, mas sim as suas conceções na atribuição de uma função de representação a um personagem, como se fizesse parte de uma peça de teatro ou de um filme.

E a primeira sensação que se tem ao olhar para as duas imagens da série For Laura de Jaime Welsh[1], que integram agora a coleção do CAM, poderá ser a de vazio. De qualquer coisa vaga e inconclusiva. A expressão de um olhar fixo que se perde para além do vidro que separa o personagem de um jardim interior, ou o vazio de uma sala sem interlocutores para ouvirem o que, eventualmente, estaria a ser traduzido na cabine do auditório.

Depois, num segundo instante, poder-se-á pensar na temática do duplo, ou da duplicidade. Mais evidente no desdobramento do personagem em For Laura (velvet), presente na cabine de tradução, mas também na possibilidade da reflexão do personagem no vidro que o separa do jardim, em For Laura (slice).

Por último, talvez num olhar mais atento, se perceba uma carga psicológica de alienação, de alguma ansiedade contida, de isolamento, e de uma incapacidade de comunicação.

Todas estas «camadas» de leitura das imagens –vazio, duplo, alienação, isolamento, falta de comunicação – são importantes para a caracterização de um personagem que poderá traduzir, de alguma maneira, uma visão metafórica do efeito adverso de uma sociedade da comunicação no século XXI, ampliada pelas redes sociais quando, na verdade, cada vez mais se observam sintomas de isolamento, ansiedade, angústia, frustração, desdobramento de personalidade, vazio interior. 

 

Jaime Welsh, «For Laura (velvet)», 2021. Inv. 21FP755

 

É também de notar a importância da mediação do vidro olhado fixamente de frente pelo personagem em ambas as imagens. Um vidro cuja transparência é aparentemente amplificada por esse olhar fixo num ponto para além dele mas que, no entanto, está lá e limita o acesso ou o contacto físico do personagem com aquilo que vê. Esta presença do vidro, com um sentido de «ver para além de» sem lhe poder chegar, é, obviamente, um efeito desejado pela cuidada encenação de Welsh que reforça ainda mais o sentimento do desejo, da impossibilidade, da separação, da incapacidade de sair de si próprio, mesmo no seu desdobramento em For Laura (velvet), que continua enclausurado na cabine de tradução.

Nas imagens de Welsh podemos notar um desencontro entre a economia de meios da encenação (algum despojamento e simplicidade) e a carga complexa de emoções que as mesmas podem expressar. São imagens que, simplificando uma expressão usada por Heiddeger, posicionam-se como «standing-reserve»[2], ou seja, potenciam mais do que mostram – um efeito amplificado pelas poses estáticas em ambas as imagens.

Uma observação cuidada das imagens de Welsh, desta e de outras séries do artista, ditam um trabalho mais próximo de um criador de personagens e de um encenador do que o de um fotógrafo, no sentido mais usual do termo.

Efetivamente, Welsh não se considera um fotógrafo e a sua formação em pintura, antes de frequentar o mestrado em Londres (MFA Fine Art no Goldsmiths, University of London), explica um pouco que as suas referências estejam justamente mais próximas da pintura (assíduo visitante da National Gallery), do cinema (Pasolini, Antonioni, Michael Haneke, Yórgos Lánthimos) e da arquitetura (Berthold Lubetkin, Ernő Goldfinger, Rolf Engströmer) do que propriamente da fotografia. A repérage dos locais com uma atenção particular à arquitetura, os desenhos preparatórios, e a cuidada manipulação da imagem na pós-produção, faz parte do seu processo de trabalho, ao qual adiciona o dramatismo de uma fotografia «cinemática», ao adotar códigos próximos e influenciados pelo cinema, na evocação de ambientes pertinentes às narrativas condensadas nas imagens que compõem as suas séries.

 

José Oliveira
Curador e investigador em História da Arte Contemporânea


[1] A série completa-se em quatro imagens: For Laura (slice), For Laura (velvet), For Laura (double), For Laura (expanded Calais), todas de 2021. Os subtítulos, slice, velvet, double e expanded Calais, são operacionais para permitir distinguir cada imagem da série (velvet, por exemplo, refere o tecido que aparenta veludo, nas cadeiras do auditório).

[2] Martin Heidegger, The Question Concerning Technology and Other Essays, traduzido por William Lovit. Nova Iorque e Londres: Garland Publishing, Inc., 1977, p.17.

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