Citymobil de António Costa Pinheiro
A obra Citymobil agora adquirida pelo CAM integra um ciclo com a mesma designação que António Costa Pinheiro (1932-2015) desenvolve entre 1967 e 1975. Projeto de intervenção urbana que permaneceu sempre projeto, corresponde à fase do seu percurso em que abandona a pintura, depois do sucesso da sua série Os Reis. Citymobil consubstancia uma recusa em participar no mercado da arte e nas suas estruturas académicas e museológicas e, simultaneamente, formula-se como uma alternativa ao sistema artístico e político estabelecido.
Citymobil integra desenhos, gravuras (que o CAM já possuía), fotografias, objetos urbanos, folhas policopiadas distribuídas no metro de Munique, bem como esta maquete, onde a utopia criada pelo artista se materializa tridimensionalmente. São, nas palavras do próprio, «brinquedos para eu brincar e para outros poderem brincar»[1], já que o acesso a esta utopia reside na «imaginação» (daí o lema da série «L’imagination est notre liberte»).
A crítica à sociedade contemporânea através da construção de utopias espaciais tem uma longa tradição, mas ressurge com intensidade nos anos de 1960 devido à corrida ao espaço que dominou a agenda cultural e científica dos EUA e da URSS durante a Guerra Fria. O lançamento do Sputnik em 1957, a colocação do primeiro homem no espaço com o voo de Iuri Gagarin em 1961 ou a chegada do homem à lua em 1969 dominaram o imaginário de uma época, proporcionando projeções utópicas e distópicas. Abdicando do convencional carácter épico associado a tais projeções, Costa Pinheiro inventa uma utopia em pequena escala, humana e portátil, habitável apenas com a imaginação de quem se predispõe a jogar o seu jogo.
Costa Pinheiro inventa o universo, as personagens, uma linguagem e a tecnologia de um «universonauta» que visita a Terra vindo de outro planeta, o Planeta da Paz e das Duas Luas. Trata-se de uma sociedade pós-atómica, já sem guerra, sem fome e sem discriminação racial. Solucionou os problemas ecológicos através do recurso a novas fontes energéticas, possui novas formas de comunicação e aboliu as fronteiras instituindo a liberdade de circulação cósmica. É uma sociedade, diz-nos o artista, sem violência, cujos habitantes alcançaram já um outro nível de desenvolvimento intelectual, emocional e espiritual.
Nos 55 pequenos elementos que compõem esta maquete, observamos os «universonautas», as suas naves e os aparelhos de transmissão de «raios-cor» (a linguagem visual-emotiva deste universo), mas também objetos mais abstratos, como cubos com formas geométricas coloridas, pequenos paralelepípedos de onde se abrem leques de cores, torres-antena com suspensões a recordar mobiles, aparelhos de descodificação da «cosmo-linguagem», cores planificadas ou imbricadas tridimensionalmente umas nas outras, cenários desenhados que delimitam o espaço e lhe acrescentam dados narrativos.
«Cidade invisível», habitável apenas com a imaginação, Citymobil liga uma dimensão pessoal com uma dimensão social, decorrendo desse momento fortemente politizado e de intensa contestação à ordem estabelecida de finais dos anos de 1960 e anos 1970.
Luísa Cardoso
Investigadora e historiadora de arte contemporânea
[1] Entrevista de Adelino Gomes a António Costa Pinheiro in Público, 05.05.2008.