Doação de David de Almeida
David de Almeida (São Pedro do Sul, 1945 – Lisboa, 2014) é considerado um artista inovador no campo da técnica da gravura, num trabalho constante de apuro experimental que faz dele um dos maiores artistas portugueses nesta área, bem como no ensino e na influência que exerceu em artistas gravadores, nacionais e internacionais.
O seu trabalho de gravura é efetivamente táctil e visual, oriundo do mundo dos sentidos, com incidência para a procura de um certo primitivismo na utilização das cores e da linha. Os relevos e contra relevos, a incidência de tonalidades, a linha e a forma são levadas à sua essência plástica.
David de Almeida trabalhou intensamente e proficuamente em obras de pintura em que misturou técnicas de colagem, pasta de papel, serapilheira (próximo da arte povera), tecidos e pequenos objetos, fibras vegetais, gel calcário, e com obras em ferro e cobre que também usa na pintura e em objetos escultóricos. Este trabalho com a matéria aproxima-o do artista-fazedor, artista-artesão, com origem numa relação com os materiais e os elementos naturais, terra e fogo.
As suas obras relacionam-se com a pré-história, mas também com o Oriente (viveu em Macau) e com África – gravuras que realizou sobre Marrocos, para onde viajou inúmeras vezes, vivendo longos períodos entre Lisboa e Medina: marcado pelo “branco” e pela sua textura, e pela passagem do tempo. A expansão de Portugal no mundo e o fascínio pela antropologia, na procura de dar sentido ao “outro”, são temas trabalhados por David de Almeida. Foi António Dacosta que apresentou em Angra do Heroísmo o jovem artista que também ficou ligado aos Açores.
Considerado um dos mais relevantes gravadores contemporâneos portugueses, David de Almeida experimentou igualmente, ao longo da sua atividade artística, a pintura e a escultura que agora, após a doação de trinta obras ao CAM, fazem também parte do espólio do artista representado na coleção com: 15 obras, entre 1989 e 2005, de colagem, pintura (várias técnicas), relevo, escultura, objeto; e de 15 gravuras datadas de 1976 a 2011, variadas técnicas de gravura.
As obras doadas à coleção do CAM abrangem um espectro completo da obra de David de Almeida. Este artista foi várias vezes bolseiro da Fundação Gulbenkian: em 1977-79 estudou técnicas tradicionais de gravura em metal; em 1982, dedicou-se ao estudo do papel fabricado na região de Auvergne (Moinhos do Vale do Lagat, em França), especializando-se na feitura manual de papel. Em 1984 e 1987 realizou várias pesquisas artísticas. A Fundação Gulbenkian dedicou-lhe uma exposição individual em 1981.
Juntamente com a doação à Biblioteca de Arte – conjunto de documentação que inclui manuscritos, cadernos/diários com anotações, desenhos, colagens, correspondência, recortes de imprensa, fotografias e negativos de obras e maquetas de trabalhos de arte pública – este relevante núcleo, que pode ser visto parcialmente na exposição Espólio David de Almeida, no átrio da Biblioteca de Arte até ao dia 11 de dezembro, permite ter uma visão abrangente da obra artística de David de Almeida.
Em relação à doação de obras ao CAM é importante destacar a exploração extensiva de duas técnicas de gravura: cast paper e pasta de pedra.
Nas suas obras em cast paper trabalhou a tridimensionalidade na gravura, sendo por isso apelidado de gravador-escultor, com a introdução de uma nova linguagem, matérica e surpreendente.
No início dos anos de 1990 desenvolveu uma técnica própria, a pasta de pedra, o que o tornou verdadeiramente inovador – trata-se de uma técnica desenvolvida pelo próprio, explorada na série “Gravura antes da gravura” (1995) e descrita em Gravura, outra: Manual de gravura com pasta de pedra (disponível na Biblioteca da Arte). Foram integradas com esta doação cinco obras de grande qualidade com esta técnica.
David de Almeida recebeu em 1980 o Prémio Nacional de Gravura da Fundação Gulbenkian. Parte das obras premiadas pertencem à coleção: História de uma visita à pedra de Dighton (1976), Auto-retrato (1977), Vem aí o encoberto (1977), Souk (1978), S/Título (1978), Cais (1979), Arzila (1982).
Começou a expor individual e coletivamente no início da década de 1970 e a participar em exposições de forma regular a partir de 1981. A retrospetiva mais recente do seu trabalho foi apresentada no Palácio das Galveias: David de Almeida: Exposição antológica, em 2010, e na Biblioteca Nacional, David de Almeida, a ética da mão, em 2014. Concebeu vários livros de artista em colaboração com escritores como Sophia de Mello Breyner (em 1991), Manuel Alegre (em 1991) e José Saramago (em 2004).
Recebeu vários prémios que aferem o seu reconhecimento nacional e internacional. De entre os prémios que recebeu, destacam-se a Medalha de Ouro da Associação de Gravadores Espanhóis (1977), o Prémio Nacional de Gravura (1980), o Prémio de Aquisição na III Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian (1986), o Prémio de Pintura na Bienal Internacional de Bagdade (1987), o Prémio Nacional de Grabado – Museo del Grabado Español Contemporáneo (1999) e o Prémio Internacional de Arte Gráfico Jesús Núñez – Betanzos – A Coruña (2006). Em 1997 foi feito Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.
Realizou ainda várias intervenções urbanas, em Portugal e no estrangeiro: no Hotel Ritz, em Lisboa; no World Trade Center, Macau; no Metropolitano de Lisboa, Estação Cabo Ruivo; no Terminal VIP do Aeroporto da Ilha do Sal, em Cabo Verde; e no Metro de São Paulo, Estação Conceição, Brasil.
Patrícia Rosas
Curadora do CAM