Utopia espacial
O trabalho de Edgar Martins conduz-nos à avaliação de uma geopolítica do secretismo e da (in)acessibilidade. Nos locais da ESA (European Space Agency) que visitou, em nove países diferentes espalhados por três continentes, a partir de um protocolo que acolheu o projeto com entusiasmo, a negociação foi constante e o acesso, apesar de real, nem sempre totalmente óbvio. Isso sublinha o facto de, para a esmagadora maioria, esses serem locais totalmente impenetráveis, que desenham no planeta uma rede de experimentação e de decisão ao mais alto nível, forçosamente política e secreta. O «documento» fotográfico é – ou foi, neste caso –, desejado e temido, facultado e evitado. O artista encarnou a figura ambígua do intruso convidado.
Não há ninguém nestas imagens (ou muito raramente) e o «corpo» da máquina impõe aos espaços fotografados a sua magnitude e abrangência dominante. Na série surgem imagens de interiores densamente preenchidos, nas quais proliferam fios, mangueiras, cabos, dispositivos elétricos e eletrónicos, braços articulados, baterias, contentores, esquemas, simuladores, botões, módulos, aceleradores, geradores, antenas, computadores, rockets, satélites, maquetas, peças, robôs… Componentes de laboratório e objetos de um museu da ciência.
Como terá dito Geoff Dyer, a propósito de outra série, «por vezes não existe qualquer sentido de escala». No caso desta obra, o olhar é aproximado de máquinas e de cabos tão desinteressantes e desconhecidos quanto detentores de eventual plasticidade visual.
Sabemos como a miragem do progresso se aliou à utopia espacial, mas sabemos também como a segunda metade do século XX e a pós-modernidade, em particular, foram longe no questionamento da ideia de futuro associada à de progresso; e podemos autorizar-nos também a pensar a utopia espacial como distopia, como perversão de uma condição (humana) na ultrapassagem de limites e no desenvolvimento de esforços eventualmente injustificáveis. «Desde sempre foi minha intenção poder fazer convergir, num trabalho emotivo e realista, uma vertente documental e conceptual, enquadrada numa análise reflexiva sobre o medium fotográfico e sobre diferentes modos de representação visual», explica Edgar Martins.
A ambiguidade entre o ponto de vista crítico e o fascínio pela utopia/distopia tecnológica esteve no cerne do debate que mantive com o artista durante a realização da exposição A Impossibilidade poética de conter o infinito (2014, na Galeria do Piso Inferior do Edifício Sede da FCG), que comissariei. No texto que assino no catálogo, «A Qualidade poética do infinito», interrogo esse fascínio: admiramos ou receamos a ambição da conquista espacial?
Visita guiada à exposição «Edgar Martins. A impossibilidade poética de conter o infinito», com o artista Edgar Martins e a curadora Leonor Nazaré, 2014.
Leonor Nazaré
Curadora do Centro de Arte Moderna
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As curadoras do Centro de Arte Moderna refletem sobre uma seleção de obras, que inclui trabalhos de artistas nacionais e internacionais.
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