Reuben Nakian

Nova Iorque, 1897 – Stamford, Connecticut, 1986

Reuben Nakian, um escultor americano de raízes arménias, desenvolveu uma obra marcada pela sensualidade do corpo, através de uma revisitação da mitologia greco-romana, da qual preferiu narrativas voluptuosas como as de Leda e o Cisne, o Rapto de Lucrécia ou o Nascimento de Vénus. Contemporâneo e, nalguns casos, amigo dos mais famosos artistas do Expressionismo Abstrato norte-americano, a sua obra apresenta afinidades com este estilo pictórico baseado na exploração da espontaneidade do gesto, da materialidade do fazer e da abstração de referentes extra-pictóricos, sem contudo com ele se confundir.

Reuben Nakian nasceu em 1897 em Nova Iorque, numa família modesta de emigrantes arménios. A sua educação artística foi eclética e, em grande parte, autodidata. Obrigado ainda jovem a abandonar o ensino formal, foi frequentando várias escolas de arte e desenho, até conseguir aos 18 anos trabalho como assistente do então reputado escultor académico Paul Manship (1885–1966). Ao longo da década de 1920, apoiado por uma bolsa do Whitney Studio Club, vai ganhando reputação como escultor animalista. Em 1931, uma bolsa da Fundação Guggenheim permite-lhe viajar pela Europa para estudar o seu passado e presente artísticos. Regressa, no entanto, decidido a fazer uma arte “verdadeiramente americana”, de caráter popular, livre do peso da tradição europeia. Esta intenção é visível em obras como o retrato monumental de corpo inteiro do popular jogador de baseball George Herman Ruth (Babe Ruth, 1934, destruído) ou os retratos do presidente Roosevelt e os membros do governo do New Deal (1935).

 

Em 1935 Nakian deixa abruptamente de exibir, salvo raras participações em exposições coletivas. Continua a trabalhar; desenha, executa pequenas esculturas e relevos em barro cozido, e ainda uma série de retratos de artistas amigos, dos quais o mais conhecido será o de Marcel Duchamp (1943). Em 1949 expõe grandes composições sobre temas mitológicos em terracota, próximas da abstração, onde é evidente uma rutura. São fruto do prolongado repensar da sua arte nesse período de aparente inactividade, provocado, talvez, pelo impacto de novas conceções artísticas com que contacta, a partir da segunda metade dos anos 30, através do arménio Arshile Gorky e Willem de Kooning (1904–1997); e pelo fracasso—certamente comercial, porventura artístico—da sua “arte americana”.

 

Ao longo dos anos 50 aprofunda esta linha de trabalho; as suas figuras vão-se reduzindo a composições de linhas, círculos, massas. Além do barro e do gesso, que utiliza em aplicação direta, junta às suas técnicas prediletas o aço, a fim de atingir escalas mais monumentais. É neste material que executa a sua primeira grande encomenda pública, Birds in flight [Voo de pássaros], de 1960, instalada na fachada de um centro da Universidade de Nova Iorque, já destruído. Mas é na mitologia clássica que Nakian encontra uma matéria-prima decisiva. Através dela, explora a sensualidade e a metamorfose, a brutalidade da luta e o jogo da intimidade. Privilegia relatos de deuses disfarçados de animais, de mulheres seduzidas e raptadas, “deusas e devassas” ora maliciosas, ora melancólicas, mas sempre voluptuosas e serenas—leque temático que, nos últimos anos da sua vida, cristalizará nuns poucos elementos eleitos em metamorfose contínua: a mulher, o cisne, o bode, o touro.

 

A sua interpretação do universo clássico é sintética e pessoal, estruturada pela vitalidade e atualidade que nele encontra. Centrada na volúpia, no prazer e inocência do sexo, na metamorfose como fruto do ato físico do amor, a sua abordagem é avessa às dimensões da repressão e da culpa com que o século XX, na esteira de Freud, abordou os mitos clássicos maiores. O mesmo se poderá dizer das suas incursões por temas bíblicos ou pela arte setecentista e oitocentista, por exemplo em La Chambre à Coucher de l’Empereur [O Quarto do Emperador], de 1952, ou nas múltiplas referências à obra de Peter Paul Rubens.

 

Esta referência constante à mitologia e à história da arte afastam-no do Expressionismo Abstrato, nestes anos em plena afirmação, e com que noutros pontos a sua obra tem afinidades. Há paralelismos entre o ênfase no gesto (como na Action painting) e a rapidez e liberdade de modelação de Nakian. Contudo, sempre condicionado pelos materiais e técnicas da escultura, não procura a “libertação do inconsciente”, mas antes a consciência dos materiais e das suas potencialidades; nunca abandona a dimensão terrena, física, da escultura. Porventura encontra-se aqui a razão do lugar menor que ocupa nos discursos da história da arte, não obstante ser reconhecido como um dos mais importantes escultores americanos de meados do século XX. O seu assumido classicismo—entendido não num sentido eclético, mas como uma atualização vital de valores atemporais—situa-se à margem das preocupações conceptuais ou à volta da imagem que, nos anos 60 e 70, passaram a dominar o mundo artístico americano, do Pop ao minimalismo e às artes conceptuais e performativas.

 

A obra de Reuben Nakian está representada na maioria dos museus de arte moderna norte-americanos (MOMA, Guggenheim, Whitney Museum of Modern Art, entre outros). Do seu percurso artístico destacam-se as representações à Bienal de S. Paulo (1961) e de Veneza (1968), a primeira exposição retrospetiva no MOMA (1966) e a retrospetiva por ocasião do centenário do nascimento do artista, em 1998, na Corcoran Gallery of Art e no Reading Public Museum. A primeira retrospetiva dedicada ao artista em solo europeu esteve, em 1988, no Centro de Arte Moderna, tendo também passada pela Alemanha, a Bélgica e Paris. Nesta ocasião foram adquiridos as duas esculturas, maqueta e quatro desenhos que fazem parte da coleção do CAM.

 

 

 

Nota bibliográfica: além do catálogo da retrospetiva no CAM, Reuben Nakian (Lisboa, FCG/CAM, 1988), consulte-se o documentário Apprentice to the gods [Aprendiz dos deuses], editado em 1985 pelo Smithsonian Institute. A mesma instituição disponibiliza on-line uma longa transcrição (em inglês) de uma entrevista realizada em 1981, onde o escultor lança um olhar retrospetivo sobre o seu percurso e a sua obra.

 

 

 

GV

 

Março de 2013

Atualização em 10 março 2016

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