Maria Helena Vieira da Silva
Morges (Font Bistre)
Lisboa, Portugal, 1908 – Paris, França, 1992
A infância solitária entre adultos, pautada por viagens ao estrangeiro e dias passados na biblioteca do avô, criou cedo em Vieira da Silva a necessidade da imaginação artística. Recebia tutores em casa para aprender música, desenho, pintura e, movida pela escultura, seguiu ainda o curso de Anatomia na Escola Médica de Lisboa. Temendo a estagnação da sua arte, rumou a Paris com a mãe (1928) para estudar escultura com Bourdelle, então assistido por Richier e Giacometti, e mais tarde com Despiau. Acabaria contudo por se centrar na pintura, tendo aulas com artistas célebres como Fernand Léger ou Roger Bissière, e aprendendo gravura no conhecido Atelier 17 de S.W. Hayter. Se em criança tinha decidido ser pintora após uma visita a Inglaterra, o seu processo de descoberta e experimentação artística permanecia ligado a constantes viagens neste período de formação, durante o qual casou com o pintor húngaro Arpad Szenes, em 1930. Apesar de considerar Matisse e Cézanne os grandes mestres modernos, maior impacto na sua criação teria a longa e intensa relação com as obras do uruguaio Torres-García que descobriu em 1929. Ao longo da década seguinte, a sua pintura distancia-se do real, absorvendo e depois expulsando a presença humana, até chegar à fronteira da abstracção. Com a sua linguagem idiossincrática e um interesse pela representação do espaço, transformaria motivos metafóricos, como tabuleiros de xadrez e jogos de cartas, em complexas composições quadriculadas com fortes ambiguidades visuais.
Teve a sua primeira exposição individual na Galerie Jeanne-Bucher (1933) e dois anos depois, António Pedro apresentou a obra de Vieira da Silva em Portugal, onde a pintora permaneceu por um breve período. O regresso a Paris, em Outubro de 1936, conta com a sua participação nos “Amis du Monde”, um grupo de artistas parisienses unidos contra a ameaça da extrema direita na Europa. A sua pintura sofre também alterações, trocando a perspectiva por grelhas e outras estruturas plásticas que acentuam a arquitectura da composição, com linhas que se entrelaçam labirinticamente. E quanto mais próxima a ameaça da guerra, mais políticos são os temas, sobretudo quando, apátrida e com um marido judeu, é forçada a regressar a Lisboa (1939). Contudo, o governo de Salazar recusou-lhe a cidadania portuguesa, e o casal partiu para o exílio no Rio Janeiro (1940-47), onde expuseram, ensinaram e se aproximaram de poetas brasileiros como Murilo Mendes e Cecília Meireles, e pintores como Carlos Scliar. Foi, no entanto, um período de redução drástica na produção de Vieira da Silva, com escolhas figurativas menos ousadas do que as anteriores abstracções anunciavam, precipitando o seu regresso a França.
O seu percurso sofre uma viragem fundamental quando o Estado Francês lhe adquire uma obra (1948), reconhecimento oficial que precedeu uma fecunda e variada produção artística, colaborando com escritores como René Char, criando cenografias para o teatro absurdo de Arthur Adamov ou pintando esculturas de Germaine Richier. Ao final dos anos 50, Vieira da Silva era internacionalmente reconhecida pelas suas composições líricas, conciliando a figuração e a abstracção num idioma pessoalíssimo que se relaciona mas não se confunde com o paysagisme abstrait de Bissière ou Bazaine. Evocando o tema das bibliotecas, cidades e labirintos, os motivos estruturais e as cores inexpressivas dos seus quadros tinham logrado o estatuto de ícones da alienação existencialista do pós-guerra.
Embora pertencesse à Escola de Paris, Vieira da Silva só seria naturalizada francesa no ano de 1956, e alcança por essa altura uma consagração plena, expondo por todo o mundo, e recebendo sucessivas condecorações oficiais de França, Chevalier e Commandeur de l’Ordre des Arts et des Lettres (1960 e 62) e o Grand Prix National des Arts (1966), além de vencer o Prémio Internacional de Pintura na Bienal de São Paulo (1961). As retrospectivas do seu trabalho multiplicam-se pela Europa (Hanover, Bremen, Wuppertal, em 1958; Mannheim, em 1962; Grenoble, Turim, em 1964; Paris, Oslo, Basileia, Lisboa, na Fundação Gulbenkian, em 1971), e recebe inúmeros convites: a execução da sua primeira tapeçaria pela prestigiada Manufacture de Beauvais (1965), a decoração de vitrais na igreja de Saint-Jacques em Reims (1966), o desenho de cartazes a propósito da Revolução de Abril, editados pela Fundação Gulbenkian (1975), e para o Ano da Paz da UNESCO (1986). O Governo Português decide condecorá-la com a Grã-Cruz da Ordem de Sant’Iago de Espada (1977) e o Metropolitano de Lisboa encomenda-lhe a decoração da estação da Cidade Universitária, na qual é assistida por Manuel Cargaleiro (1988).
Os últimos dias, passados a trabalhar no seu estúdio de Paris sem a companhia de Arpad, ficariam ainda marcados pelos reconhecimentos mais altos da sua carreira, quando foi eleita Membro da Royal Academy of Arts de Londres (1988), ordenada Officier de la Legion d’Honneur com insígnias entregues pela mão do Presidente François Mitterrand (1991) e foi criada a Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva em Lisboa (1990). Além de figurar nas principais colecções nacionais, a sua obra encontra-se também entre alguns dos melhores museus mundiais, como no Centre Georges Pompidou (Paris), MoMA e Guggenheim Museum (Nova Iorque), Walker Art Center (Minneapolis), Tate Collection (Londres), Museo Thyssen-Bornemisza (Madrid), Art Institute of Chicago (Chicago), Ashmolean Museum (Oxford) ou na Pinacoteca do Estado de São Paulo (São Paulo).
Afonso Ramos
Fevereiro 2011
Morges (Font Bistre)
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