Maria Beatriz

Lisboa, Portugal, 1940 – Amesterdão, Países Baixos, 2020

A relação de Maria Beatriz com as artes plásticas revela-se muito cedo na vida da artista. A própria artista associa essa sua ligação, por volta dos seus 12 anos, como forma de escape de uma relação difícil que mantinha com o pai. A sua fuga e resistência «foram os livros, a poesia e alguma música. Nessa idade a minha ligação à arte começou a ser muito positiva. Via a arte como uma coisa que podia dar apoio e, digamos, mudar a vida de uma pessoa. Portanto, muito nova, foi a minha escolha».*

Após uma passagem fugaz no curso de Biologia da Universidade de Lisboa e no curso de Pintura da Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, Maria Beatriz inscreve-se nos cursos de gravura da Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses – vulgarmente conhecida por Cooperativa Gravura. Em 1964, numa das suas idas à Cooperativa Gravura encontra-se de forma imprevista com o gravador inglês Stanley William Hayter que a convida a participar no curso que se encontrava a leccionar durante uma semana com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. 

Em 1966, Maria Beatriz obtém uma bolsa atribuída pelo Serviço de Belas-Artes da Fundação Calouste Gulbenkian a fim de estudar no Atelier 17 de Hayter, em Paris, sendo uma das poucas artistas portuguesas que por lá passaram, para além de Teresa de Sousa e David de Almeida. Durante dois anos, Maria Beatriz usufruiu de uma formação avançada em gravura nas técnicas de água-forte e água-tinta, que consistia, entre outras funções, desenvolver a teoria do desenho automático – processo criativo do surrealismo – no intuito do executante desenhar numa chapa de metal um conjunto de movimentos erráticos de forma a abstrair-se de tudo.

Em 1970 instala-se definitivamente na Holanda. Trabalha como impressora, onde imprime, por exemplo, gravuras de David Hockney, e em 1972 ingressa na Academia Livre de Haia. Recebe diversos subsídios do governo holandês para desenvolver o seu trabalho artístico, terminando o curso de Pintura e Artes Gráficas na Academia de Belas-Artes de Roterdão, em 1973.

Maria Beatriz cria habilmente as suas composições através da mistura de técnicas e incorporação de fragmentos. A construção de personagens que remetem para um imaginário infantil ou para as suas memórias e vivências pessoais seguem sempre um esquema de humor mordaz e crítica social. São disso exemplo, as gravuras O Medo I – O Espelho, 1967 (GP775); O Medo II – A Missa, 1967 (GP774); O Medo III – O dedo na ferida, 1967 (GP782) e O Amor Louco, 1969 (GP295). Como a própria artista refere são «gravuras com um humor muito ácido».**

A criação de figuras estranhas em espaços indefinidos, sem fundo, não respeitam qualquer escala na composição. São fragmentos, desarticulados, pedaços de história, como se de colagens se tratassem, que a autora une habilmente criando uma narrativa difusa como forma de uma denúncia violenta e crítica social e política.

O mundo interior dá lugar, sensivelmente nos anos 90, a um mundo exterior. As composições intimistas, fruto de recordações passadas, ou inquietações da artista, transformam-se em novas realidades, com a introdução de elementos da natureza na composição ou através da representação de paisagens.

A exploração e o processo de procura incessante de novas temáticas revela-se por exemplo na série denominada Vita Brevis, de 2000: «O assunto é a ausência, a relatividade do que julgamos possuir, a despedida. Com uns pozinhos de humor».*** As instalações são compostas com materiais pobres e uma certa encenação austera, geralmente em torno de uma mesa, e que reabilita a figura recortada que provém da gravura e dos seus desenhos de pequena dimensão. O corpo gravita assim em espaços e composições solitárias através de encenações dramáticas.

Em 1994 Maria Beatriz edita um livro de artista com os seus trabalhos produzidos na Holanda entre 1970 e 1992. Atualmente, dedica-se exclusivamente à pintura.

 

 

Inês Gomes

Novembro 2014

 

* Cf. Maria Beatriz: Exposição Antológica 1973-1998, Almada: Câmara Municipal, 1998, p. 9. 

** Cf. Maria Beatriz: entrevistas MELO, Jorge Silva – “Gravura: esta mútua aprendizagem” [documentação]. Documento electrónico, prod. [2007].

** Maria Beatriz, Amsterdão, Outubro de 2001 in Maria Beatriz. Vita Brevis, Lisboa: Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p.9(catálogo da exposição). 

Atualização em 19 abril 2023

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