Manuel Rosa

Beja, 1953

Manuel Rosa, escultor e editor português, natural de Beja, graduou-se na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa em 1978, tendo sido aluno e depois colaborador de João Cutileiro.

Em 1981, estreia-se em dois Simpósios Internacionais de Escultura em Pedra, um realizado em Évora sob a coordenação daquele mestre de escultura, e outro na capital italiana do mármore, Verona («Omaggio a Giulietta»), expondo pela primeira vez a título individual na Galeria Módulo em 1984. A obra inicial de Manuel Rosa recebe alguma influência de Cutileiro, nomeadamente ao nível do processo do talhe direto da pedra calcária e das consequências tecno-estéticas desse processo evidentes nas marcas do corte bem como nas asperezas da pedra que permanecem aparentes. Esta será aliás uma das características iniciais da sua obra, o confinamento dos temas – com certo classicismo, em figuras de homens e animais – a uma condição inacabada ou preformada com que interroga a condição da escultura e do trabalho de escultor como reelaboração constante e construção sobre o tempo (duração, mudança, permanência), sobre a matéria (resistência, plasticidade, estática, dinâmica…) e sobre o espaço. A indagação sobre o devir temporal na escultura é ainda evidente no processo de montagem de algumas peças, deixado visível na superfície (suturas, juntas), ou no caráter orgânico de outras (a forma matricial do círculo ou da cabaça, por exemplo).

 

Laureado com um «Prémio de Aquisição», na Bienal de Vila Nova de Cerveira (1985),onde apresentou um trabalho em pedra recriando a forma de um «Pórtico», Manuel Rosa expôs na Módulo – Centro Difusor de Arte, em 1986 e 1987. Em 1989, integrou a representação portuguesa à 20ª Bienal de São Paulo. Nos anos 90, enquanto continua a participar em diversas mostras nacionais e internacionais de arte, a sua investigação abre-se a uma linha mais analítica ao examinar e ampliar e verter para outra escala ou outros materiais que não a pedra certas peculiaridades ou detalhes de formas de génese industrial (ainda por vezes tendo como pano de fundo o corpo humano), partes ou componentes de complexos técnicos ou maquinismos e engrenagens. Nalguns casos, petrificando-os (literalmente transpondo-os na pedra), noutros glosando as suas formas num espectro mais vasto de materiais (barro, vidro, ferro) com os quais compõe uma gramática de signos que investem e desenham o espaço interior (formas elementares ou componentes de objetos técnicos como pegas ou asas em ferro forjado interagindo com a luz, Galeria Porta 33, em 1996). Noutros casos os objetos apresentam um sincretismo ameaçador de vanitas, caveiras com terminações bulbosas de máscaras de gás, passadas na pátina polida do bronze. Recorrente parece ser a sua superação da ideia de monumento tal e como passou na tradição europeia, ultrapassada, quer na sua retórica formal (distinção, contraposição no espaço), quer na sua funcionalidade mnemónica ou histórica (narratividade, comemoração). Assim Manuel Rosa virá a privilegiar as formas pobres, assimétricas, disruptivas, oblongas, jazentes ou suspensas que comprometem e envolvem – mais do que contrapõem – o espaço em volta, recusando confiná-las a uma condição única, axial, vertical ou centrípeta. Em 1997, para a exposição coletiva «Anatomias Contemporâneas» (Fundição de Oeiras), o artista apresenta um morro de areia de fundição. Esse material industrial, pobre, de um negro intenso e aveludado, permite-lhe estabelecer uma ligação orgânica com o lugar da antiga fundição, servindo-se desse material para moldar os seus torsos masculinos, figuras preformadas ou em trânsito entre o informe e a forma. No ano seguinte e no contexto do vasto programa de arte urbana da Expo’98, realiza uma obra monumental em bronze, com uma dimensão única no conjunto do seu trabalho: a «Homenagem a D. João II» (Praça Príncipe Perfeito, Parque das Nações), cuja heráldica interpreta livremente, não sem humor, na forma orbicular em tripé, de perfil ondulado. Ainda sob a aparência abstrata e acidental, a peça não deixa de evocar a distância um zoomorfismo rudimentar apontando vagamente para a forma do pelicano – ave de ressonâncias crísticas que D. João II escolheu como emblema – pela variação no tratamento das longas escoras, como pelo anel interrompido que a remata pelo topo, como um membro amputado ou inacabado. Manuel Rosa constitui assim uma escultura de exterior e de grandes dimensões, como dispositivo ótico – espacial cuja perceção se altera em função da distância de observação, bem como da cinética da luz que projeta sombras de orientação e dimensão variáveis no solo.

 

Em 2004, o artista expõe na Galeria Lino António da Escola António Arroio, um conjunto de formas continentes a que dá o nome de «Receptáculos», quatro grandes recipientes de barro vermelho à escala humana contendo na face exterior marcas de um antropomorfismo de base que evocam as cerâmicas arcaicas e retomam uma interrogação já antes formulada nas formas conclusas das cabaças, dos iglos, dos fornos ou das ogivas que o artista várias vezes investigou. Esta foi uma das últimas ocasiões em que Manuel Rosa apresentou publicamente a sua obra de escultor. Com efeito, a partir da segunda metade dos anos 2000, veio assumindo num regime de quase exclusividade o ofício de gráfico e editor na casa Assírio & Alvim de que é atualmente um dos responsáveis editoriais. Esta atividade editorial – conquanto diversa da prática da escultura mas não desligada de interesses estéticos de que esta sempre se fez eco direta ou indiretamente – permitiu-lhe no entanto manter-se em contacto com o meio artístico (através das edições de arte), fundeando-se em definitivo (ou talvez não) num universo literário e poético que sempre apreciou.

 

Ana Filipa Candeias

 

Maio de 2013

Atualização em 10 março 2016

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