Manuel Cargaleiro

Vila Velha de Rodão, Portugal, 1927 – Castelo Branco, Portugal, 2024

Manuel Cargaleiro passou a infância numa olaria no Monte da Caparica, para onde os pais se mudaram quando tinha apenas dois anos de idade. Ali, começou a fazer experiências com vidros e tinta e adquiriu o gosto pela cerâmica. Hoje, contudo, Cargaleiro não é apenas um conceituado ceramista mas também um notável desenhador e pintor que se tem servido de diversos meios para exprimir emoções transitórias. Tal busca poética é incutida pela natureza e substanciada no uso idiossincrático da cor e na desconstrução formal.

Antes de ingressar na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa no ano de 1949, Manuel Cargaleiro tinha sido estudante de Ciências Geográficas e Naturais na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, durante três anos. As suas primeiras pinturas abstractas, intituladas Microscopic Compositions, surgiram da observação dos tecidos vegetais que o microscópio reproduzia. Nesse mesmo ano, participou no Primeiro Salão de Cerâmica, organizado por António Ferro, director do Secretariado Nacional da Propaganda e, em 1950, organizou o Primeiro Salão de Artes Plásticas da Caparica. Dois anos depois, a sua primeira exposição individual teve lugar no Secretariado Nacional de Informação, em Lisboa.

O ano de 1954 testemunharia acontecimentos marcantes na carreira artística de Manuel Cargaleiro. Enquanto dava aulas de Cerâmica na Escola Secundária António Arroio, surgiu a oportunidade de expor as suas peças na Galeria de Março em Lisboa – local onde, no mesmo ano, apresentou as suas primeiras pinturas a óleo, no Primeiro Salão de Arte Abstracta – viajou pela primeira vez a Paris e ganhou o Prémio Nacional de Cerâmica.

A sua obra, fortemente inspirada no azulejo tradicional português, seria também influenciada pelo pintor e ceramista Lino António. A eficaz combinação do azul e do branco e a evocação espacial e arquitectónica converteriam o azulejo no veículo de expressão ideal para Manuel Cargaleiro. Por outro lado, a persistência do abstraccionismo na arte parisiense, desde os anos 40, estimulou o artista na descoberta das potencialidades de uma linguagem tendencialmente não-figurativa. Enquanto o racionalismo e a sobriedade da arte francesa têm norteado a estrutura da sua obra, a pintura e a cor têm proporcionado a sua posterior libertação. Da pintura advém o poder poético, possibilitado pelas harmonias cromáticas e cadências de traço, pelas impressões sensitivas e pela fragmentação formal. O sentido lírico parte frequentemente da natureza: o confessado “apego à terra” tornou o mundo rural português uma constante fonte de inspiração.

Em 1955, Manuel Cargaleiro foi agraciado com o Diploma de Honra da Academia Internacional de Cerâmica, no Festival Internacional de Cerâmica de Cannes. No ano seguinte, ver-se-ia envolvido em diversos projectos: ganhou o primeiro prémio no concurso para o projecto (não realizado) da cobertura cerâmica dos edifícios da Cidade Universitária em Lisboa e foi-lhe solicitada a concepção de painéis de azulejo para o Jardim Municipal de Almada e para a fachada da Igreja de Moscavide. Em 1957 e 1958, receberia duas bolsas de estudo na área da cerâmica, respectivamente em Faenza e em Gien, tendo a segunda sido proporcionada pela Fundação Calouste Gulbenkian. Entretanto, fixou residência definitiva em Paris, onde vive actualmente.

Entre 1959 e 1970, ocorreriam diversas exposições individuais, designadamente em Lisboa, em Paris, no Brasil, em Tóquio e no Porto, entre outras cidades; o artista participaria também em eventos colectivos em Ostende, Almada, Genebra, Rio de Janeiro, Osaka, Seul e no Porto, entre outras. Neste período, o trabalho de Cargaleiro adquiriu a consistência que tem caracterizado o seu percurso artístico. A expressividade lírica da sua obra motivou a colaboração com poetas, nomeadamente Armand Guibert e Victor Ferreira, cujos poemas foram ilustrados pelo artista, ou Alberto Lacerda, que escreveu a compilação “Manuel Cargaleiro”.

Na década de 1970, a arte de Cargaleiro seria mostrada em numerosas exposições individuais, organizadas em Genebra, Milão, Lausanne, Paris, Brasília, Lisboa, Portalegre e Reims, para além de diversas exposições colectivas. Entre 1971 e 1973, o pintor foi convidado pelo Ministério da Cultura francês a conceber painéis cerâmicos para três escolas em França. Em 1974, no âmbito da celebração o 25º aniversário de carreira de três artistas da Beira Baixa, Eugénio de Andrade, José Cardoso Pires e Manuel Cargaleiro, o Jornal do Fundão editou uma medalha esculpida por Lagoa Henriques.

Os anos de 1980 testemunharam o pleno reconhecimento de Manuel Cargaleiro, enquanto pintor e ceramista. Contudo, tal não o coibiu de explorar outros ramos criativos, tais como a tapeçaria, cujos padrões geométricos sempre o inspiraram. Em 1980, a Galeria de Arte do Casino Estoril expôs uma série de tapetes confeccionados manualmente, a partir dos seus cartões originais, e foi convidado pelo Governo português a criar o cartão para uma tapeçaria destinada ao novo edifício na Organização Internacional do Trabalho, em Genebra. Entre as várias exposições individuais e colectivas em que participou a nível nacional e internacional, destaca-se a da Fundação Calouste Gulbenkian, em 1984.

A partir da década de 90, predominariam na sua obra os padrões aglomerados e cromaticamente intensos onde ainda seria evocado o azulejo português; no entanto, prevaleceria uma crescente tranquilidade e precisão formal. Em 1990, foi inaugurada a Fundação Manuel Cargaleiro em Castelo Branco e, nos últimos anos, o artista tem vindo a desenvolver as suas ligações com o meio artístico italiano. A obtenção do primeiro prémio do concurso internacional “Viaggio attraverso la Ceramica” e a sua ligação à localidade de Vietri Sul Mare impulsionaram, em 2004, a criação da Fondazione Museo Artistico Industriale Manuel Cargaleiro, um importante centro de produção e investigação na área da cerâmica, ao qual o artista doou 150 obras.

Das construções estruturadas, comummente intituladas “cidades”, aos gestos expressivos das suas “flores”, em cada obra, a complexidade da composição é apaziguada pelos jogos de cor, luz e sombra. No trabalho de Manuel Cargaleiro, a cor não é um mero ponto de partida para a exploração das formas, mas sim o culminar de um processo de depuração.

 

IJ

Agosto de 2011

Atualização em 02 julho 2024

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