Hein Semke

Hamburgo, Alemanha, 1899 – Lisboa, Portugal, 1995

Nascido em Hamburgo, Hein Semke seguiu o caminho de tantos dos seus contemporâneos – a emigração. Fixando-se em 1932 em Portugal, onde logo nesse ano apresentou trabalhos na SNBA, em Lisboa, desde então e até à morte, em 1995, não parou de produzir e expor, impondo-se, sem nunca perder as fortes diferenças de origem e sensibilidade, como figura incontornável da vida artística portuguesa.

O percurso deste individualista, que num poema dos anos 30 resume a sua atitude existencial ao perguntar «À minha volta / Máscaras – / Esgares – / Desfigurados / E vazios. / De onde / Me vem / A coragem / De ser / Rosto?», não podia ser fácil.

Aos 10 anos, com a morte da mãe, é internado num orfanato. Em 1916 vai para a guerra como voluntário, combatendo na Ucrânia, França e Flandres. Desmobilizado em 1919, trabalha como pedreiro, estivador, mineiro, vendedor de jornais. Ligado a círculos anarquistas, envolve-se nas revoltas que nos primeiros anos 20 agitam a sua cidade natal. Condenado a seis anos de prisão solitária, é libertado em 1928.

A experiência da guerra e o desencanto das revoluções transformaram-no entretanto num pacifista; ao mesmo tempo a evolução política da Alemanha inquieta-o. Em 1929 embarca para Lisboa, onde se emprega numa fábrica e tenta juntar dinheiro para seguir para o Brasil. Um esgotamento físico leva-o de volta a Hamburgo. Recuperado mas declarado inválido para o trabalho, a impressão que lhe causa a visita a uma exposição de ícones russos e o encorajamento de amigos decidem-no a dedicar-se à escultura. A decisão será para a vida.

Em 1930 estuda na Escola de Artes e Ofícios de Hamburgo com Johann Bossard (escultura) e Max Wünsche (cerâmica). Em 1931-32 na Academia de Belas Artes de Estugarda com Ludwig Habich. Razões de saúde e políticas agora mais prementes levam-no de novo a deixar o país.

Em 1932 fixa-se em Linda-a-Pastora e depressa se relaciona com intelectuais e artistas lisboetas. Conhece Fernando Pessoa, é amigo de Almada Negreiros, Mário Eloy, Vieira da Silva. Em 1933 expõe com os modernistas portugueses. O antigo ativismo político dá agora lugar à criação estética, numa arte essencialmente ética e de autoconhecimento. Os seus trabalhos, qualificados pela crítica de primitivos, duros e místicos, com reminiscências românico-góticas, revelam a influência do expressionismo de Barlach.

A relação com a colónia alemã é turbulenta. As três esculturas que em 1935 conclui para o Pátio de Honra dos Mortos da Guerra, da Igreja Evangélica Alemã de Lisboa, tornam-se, quer pelo seu teor anti-heróico quer pelo passado do autor, alvo da censura nazi, que as considera «arte degenerada». Com o artista ausente em Paris, o grupo Camaradagem na Derrota é destruído e A Dor e A Ascensão do Guerreiro retiradas. Mais tarde serão repostas, mas a Profecia monumental, junto ao Hospital Alemão, é também destruída. Resolvido a protestar junto da Câmara de Cultura do Reich, Semke vai em 1936 a Berlim de onde tem a sorte de regressar ileso.

Em 1941 as medidas de proteção aos artistas nacionais tomadas em Portugal criam-lhe dificuldades económicas. Abandona o atelier da Av. 24 de Julho, em Lisboa, onde ainda nesse ano dedica uma exposição antológica das suas esculturas «a todos os artistas que sofreram com as intolerâncias do seu tempo», e volta-se cada vez mais para a cerâmica como modo de subsistência.

O desvio da escultura pesa-lhe; a brutalidade de mais uma guerra também. Em 1947 faz a primeira exposição individual de cerâmica, na galeria do SNI – peças únicas, marcadamente escultóricas, em barro vermelho, cozidas em forno de fogo aberto. Está definida a segunda etapa do seu percurso artístico, em que se tornará um dos principais renovadores da cerâmica em Portugal.

Em 1949 sai de Linda-a-Pastora, armazena os trabalhos na quinta de um amigo e vive em Lisboa num quarto alugado. Mas até 1953, ano em que consegue instalar-se no modesto atelier onde habitará durante mais de vinte anos, continua a fazer cerâmica, expor individual e colectivamente – em Lisboa, no Porto, na Bienal de São Paulo –, a escrever em revistas. Em 1950 publica o livro de poemas Und…

A obtenção em 1955, junto com a representação portuguesa, da medalha de ouro do 1.º Festival Internacional de Cerâmica de Cannes e a encomenda de um painel cerâmico de grandes dimensões possibilitam-lhe visitar Hamburgo nesse ano. Simples viagem de saudade, pois criara raízes em Portugal, de clima mais brando e onde o mar, onde mergulhava, lhe inspirava formas e cores para os trabalhos. Em 1957 faz os murais para o Hotel Ritz; expõe máscaras. Apesar do labor intenso e mostras frequentes vende pouco – embora admiradas as suas obras não se enquadram no decorativismo amável do gosto corrente. Em 1962 faz o mural, hoje destruído, para o Hotel da Baleeira, em Sagres. Uma silicose obriga-o em 1963 a abandonar a cerâmica.

A terceira etapa do seu percurso centra-se noutros meios de expressão plástica: a monotipia, a pintura sobre madeira talhada, a xilogravura, a aguarela; de novo a escultura. Em 1966 um subsídio da Fundação Calouste Gulbenkian permite-lhe realizar os grandes óleos sobre a necessidade da fé, que expõe no SNI em 1967. Em 1972 a Gulbenkian organiza uma retrospectiva geral da sua obra. Em 1977 uma visita à Noruega e às ilhas Lofoten inspira-lhe um notável ciclo de monotipias. Entre 1958 e 1986 realiza trinta e quatro livros de artista, que reúnem textos, pinturas, gravuras e colagens e que desenvolvem os seus temas recorrentes – a reflexão religiosa, política e estética, a celebração da mulher e do amor, o encantamento pela natureza, flores, árvores, peixes, a sátira social, também auto-sátira – numa quase súmula da sua visão forte, emotiva e afirmativa do mundo. Em 1991 o Museu Nacional do Azulejo apresenta uma retrospectiva da obra cerâmica. Nesse Verão revisita as Lofoten. Em 1995 expõe ainda trabalhos dos dois últimos anos de vida.

 

Teresa Balté

Abril de 2013