Graça Morais
Geografias do Sagrado
Vieiro, Trás-os-Montes, Portugal, 1948
Graça Morais nasceu a 17 de Março de 1948 no Vieiro, pequena localidade de Trás-os-Montes. O local que a viu nascer e crescer torna-se determinante para as vivências da artista, revelando-se um local de memórias e eternos retornos na sua obra plástica.
O gosto pelas artes plásticas revela-se muito cedo na vida da artista, ainda durante a frequência da escola primária. Quando termina o Liceu em Bragança, decide ingressar no curso de Pintura na Escola Superior de Belas-Artes do Porto (ESBAP). Em 1971, no último ano do curso, faz juntamente com outros colegas, uma viagem pela Europa passando por Londres, Paris e Amsterdão. Esta sua primeira viagem marca-a profundamente. A artista contacta pela primeira vez com obras de arte internacionais, numa época em que Portugal, ainda sob o regime ditatorial do Estado Novo, se encontrava fechado em si mesmo e com pouco acesso a notícias ou influências internacionais. Segundo a própria artista: «a bem dizer, foi esse o meu primeiro contacto a sério com as obras de arte. Até aí, vivera muito das reproduções que vinham em livros de arte, ou de exposições que via no Porto».* A sua primeira viagem desperta-a para novas concepções artísticas que se revelarão mais tarde na sua obra plástica.
Esteve em Paris entre 1976 e 1978, como bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian, período que coincide com a criação do Grupo Puzzle constituído por nove artistas e um crítico de arte (Graça Morais, Albuquerque Mendes, Armando de Azevedo, Carlos Carreiro, Dario Alves, Gerardo Burmester, Fernando Pinto Coelho, Jaime Silva, João Dixo e Egídio Álvaro). O Grupo Puzzle expõe em diversos locais, dentro e fora do país, fazendo performances e instalações e, em 1977, participa numa exposição no Salon de la Jeune Peinture. No fim da bolsa, Graça Morais realiza uma exposição no Centro Cultural de Paris da Fundação Calouste Gulbenkian apresentando um conjunto de obras subordinadas à temática da caça figurando, entre outras, a obra intitulada A Magia na Caça (inv. 78P432).
Regressada de Paris, Graça Morais divide os anos seguintes entre Guimarães e Lisboa. Em 1984 recebe um novo subsídio da Fundação Calouste Gulbenkian para desenvolver um trabalho sobre a sua terra natal em Trás-os-Montes. Graça Morais, através de uma pesquisa antropológica e recolha etnográfica, reabilita e integra na sua obra plástica a arte popular do Nordeste de Portugal, enaltecendo uma certa ruralidade.
A obra de Graça Morais gravita em dois polos axiais: por um lado, o universo masculino associado à virilidade e dominação; por outro, o universo feminino ligado a uma certa sensibilidade e luta pela sobrevivência. A artista questiona o papel da mulher, uma vivência humana marcada por uma certa secundarização na comunidade rural, muito embora a artista lhe atribua um papel determinante. A associação à mulher enquanto vítima repercute-se metaforicamente aos animais, também eles segundo a concepção da artista, vítimas de uma violência exercida por uma sociedade ancestral.
Através do cruzamento de imagens e sobreposição de materiais, Graça Morais desenvolve assim um trabalho sensorial e ancestral assente nas vivências humanas e a sua relação com a natureza. Memórias que se misturam com aspectos biográficos, reflectindo as suas experiências pessoais não só da sua terra natal, esse ‹‹Reino Maravilhoso›› designado por Miguel Torga, mas também extensível a outras geografias, como é disso exemplo Cabo Verde, local que Graça Morais viveu no final dos anos 80, resultando um importante trabalho pictórico e a fundação da editora cabo-verdiana Ilhéu Editora, da qual será sócia fundadora.
Graça Morais construiu o seu atelier no Vieiro, onde vive e trabalha. Em 2008 foi fundado o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, em Bragança, com a missão não só de promover a obra da artista mas divulgar a arte contemporânea nacional e internacional.
Inês Gomes
Novembro 2014
* Cf. António Mega Ferreira, Graça Morais: Linhas da Terra, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985, p.62.