Bernardo Marques

1898 – 1962

Autor de uma obra multifacetada, Bernardo Marques foi ilustrador, desenhador, figurinista e uma das figuras centrais da segunda geração de modernistas portugueses (segundo José-Augusto França). Iniciando a sua carreira pela caricatura, desenvolverá uma extensa obra no campo da ilustração e do desenho, tendo participado a convite do SPN em inúmeras feiras e exposições internacionais. 

Bernardo Marques inicia os seus estudos no liceu de Faro, matriculando-se, em 1918, na Faculdade de Letras de Lisboa para cursar Filologia Românica. Aí conhece a sua futura mulher, também artista, Ofélia Marques. A vinda para Lisboa possibilitou-lhe o contacto com a vida boémia da capital, realizando nestes anos estudantis os seus primeiros desenhos. Expõe pela primeira vez em 1920, no III Salão de Humoristas. Em 1921, abandona o curso de Letras, optando em definitivo pela carreira artística. Dedica-se com especial afinco ao desenho, vertente que nunca abandonaria ao longo dos seus 40 anos de carreira, numa opção em parte motivada pela alergia aos materiais da pintura a óleo.

 

Em 1924, casa-se com Ofélia e passam a viver no mesmo prédio no Bairro Alto onde António Ferro e Fernanda de Castro habitavam à época. Esta vizinhança torna-se o ponto de partida para uma longa amizade entre Marques e Ferro.

 

Os anos 20 seriam para o artista um período de intensa atividade como ilustrador, tendo colaborado assiduamente em diversas revistas e jornais – ABC, Ilustração Portuguesa, ABC a Rir, Civilização, Kino, Sempre Fixe, A Batalha, Diário de Lisboa, Página de Domingo n’ O Século,… – bem como realizado ilustrações para capas de livros em várias editoras (Estúdios da Cor, Livros do Brasil, Ática,…). Neste contexto destacam-se as ilustrações de capa para as obras de António Ferro, A Idade do Jazz-Band (1923) e Hollywood Capital das Imagens (1930). Nesta década, o seu traço distingue-se pelo seu carácter anguloso e linear, numa clara filiação com a proposta expressionista alemã. Representa cenas de rua povoadas de mendigos, prostitutas, velhos, mas também cafés, dance-halls, casinos frequentados por flappers, sportsmen e banqueiros, numa captação do lado mundano e boémio de fortes contrastes sociais, característico do pós-guerra. Em certas composições, denota-se, porém, uma maior suavidade do traço, aproximando-se a uma estética “Art Deco” semelhante à que podemos encontrar nos trabalhos de António Soares e Jorge Barradas da mesma época.

 

Entre 1924 e 1925 integra o projeto de redecoração do café A Brasileira no Chiado, partindo, em 1929, para Berlim, onde toma contato com a “Nova Objectividade” [Neue Sachlichkeit], em particular com o trabalho de George Grosz cujo olhar crítico adaptará à realidade lisboeta (influência igualmente presente em algumas obras de Mário Eloy).

 

Em 1930 participa no I Salão de Independentes, participação que repetirá no ano seguinte, sendo o ano de 1931 ainda dedicado à decoração do pavilhão português na Exposição Internacional e Colonial de Vincennes, em Paris. Outras participações em feiras e exposições, com Bernardo Marques já integrado na equipa do SPN, terão lugar nos anos seguintes, destacando-se a Exposição Internacional de Artes e Técnicas de Paris, em 1937, a Feira Mundial de Nova Iorque, em 1939, a Exposição Internacional de São Francisco, Califórnia, no mesmo ano, e a Exposição do Mundo Português, em 1940, na qual será um dos responsáveis pela decoração dos pavilhões da Colonização, Vida Popular e Portugueses no Mundo. Em 1940, Bernardo Marques inicia uma colaboração como cenógrafo e figurinista com o grupo de bailado Verde Gaio, trabalhando ainda ao longo da década e em parceria com Fred Kradolfer, na conceção de design de montras e interiores de várias lojas e stands.

 

Em 1948, Bernardo Marques regressa ao desenho como atividade fundamental da sua carreira, deslindando-se uma redescoberta dos temas folclóricos, dentro do programa e do gosto do SPN, aos quais se juntará, a partir da década de 1950, um gosto pela representação da paisagem quer em contexto urbano, quer campestre. Nestes desenhos, correspondentes à fase final do seu trabalho, o artista substitui o olhar crítico e atento que havia povoado as suas representações de Lisboa das décadas anteriores por uma abordagem romântica, afetiva e nostálgica da cidade, retratada a partir de varandas e janelas de lugares que lhe são caros. Tais paisagens revelam uma nova conceção do espaço citadino, mais íntimo e pessoal, em que tudo o que é acessório é eliminado, num exercício de retiro e afastamento, em busca de um essencialismo verificável também no traço sintético e nervoso empregue, onde o cromatismo (aguarela) vai dando lugar ao uso (quase) exclusivo da tinta-da-china.

 

Estes anos finais são igualmente marcados pelo reconhecimento público do seu trabalho, destacando-se a participação em várias exposições: Exposição de 20 Artistas Contemporâneos, Galeria de Março (Lisboa, 1953), I Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian (1957), onde obtém os prémios de aguarela e desenho, participação que repete, em 1961, aquando da 2ª exposição.

 

Como exposições póstumas do seu trabalho há a destacar Bernardo Marques, realizada pelo CAM em 1989, com coordenação de José Sommer Ribeiro, Maria Helena de Freitas e Alice da Costa Guerra, e Bernardo Marques: desenho e ilustração: anos 20 e 30, de 1982, organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian. É ainda digna de menção a obra monográfica Bernardo Marques (1993) de Marina Bairrão Ruivo

 

 

Daniela Simões

Março 2015