A realidade surge através das obras expostas, elas são o corpus visível onde o trabalho dos dois artistas momentaneamente se encontra. Nessa medida, a presença da última pintura de Gorky torna-se ainda mais poderosa, tendo sido criada a partir da leitura do conto de Tchekhov pelo título do qual é conhecida. Publicado em 1893, O Monge Negro conta os dois últimos anos da vida de um jovem e erudito investigador, que sofre um esgotamento nervoso, com delírios de grandeza, em que é visitado pela aparição de um monge negro que o convence ser o escolhido por Deus para um desígnio superior. Embora experimente a felicidade breve de um casamento, o jovem acha-se cada vez mais mergulhado na mediocridade sem a companhia do monge, e acaba por morrer tuberculoso, numa alucinação final em que é por este conduzido à glória. Gorky terá encontrado analogias entre a sua vida e o trágico destino de Andrey Kovrin, o protagonista do conto de Tchekhov.
Frente a esta pintura, do outro lado da sala, Queiroz expõe cinco telas realizadas para a exposição, nas quais pintou sobre linhas serigrafadas, como se fossem papel de carta, evocando a leitura que fez da extensa correspondência de Gorky recentemente publicada[1]. As pinturas de Queiroz comentam e adensam o mistério que rodeia este encontro, que aceitou organizar, embora tateante como num sonho, ou mesmo num pesadelo. Gorky foi um artista que Queiroz conheceu desde cedo, exposto na Gulbenkian em 1984, ano da chegada a Lisboa da Coleção Mooradian. A exposição inclui ainda três outras pinturas e um vídeo de Queiroz, expressamente realizados para este projeto, além de vários seus trabalhos anteriores, sobre tela e sobre papel.
O título da exposição, «to go to» é da autoria de Queiroz, que sobre ele escreveu «Penso que é uma imagem gráfica que vai em duas direções: tanto para trás como para a frente dá um mesmo resultado. Para mim, graficamente, uma cara. Também dois homens com chapéus, a atravessar uma ponte.» Sugerindo uma correspondência biunívoca, esta capicua de palavras sintetiza a posição relativa entre as obras expostas, os dois artistas e o observador. É necessário «ir para», é necessário mexermo-nos para ver, para comparar ou, simplesmente, para sair do lugar em que estamos. Ao observador é pedido que se desloque, pisando um macio tapete amarelo onde os seus passos ficam marcados.
[1] Arshile Gorky. The Plow and the Song. A Life in Letters and Documents, Matthew Spender (ed.), Zurich: Hauser & Wirth Publichers, 2018