CAM em Movimento: «Obstrução, Desfocagem e Deterioração»

Ciclo de filmes «Não se vê ali nada»

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No novo ciclo de filmes do CAM em Movimento, com curadoria de Katherine Sirois, o título Não se vê ali nada é uma ligeira provocação que se refere às questões de visibilidade e de perceção nas imagens em movimento, condicionadas por efeitos de desdobramento, superposição ou multiplicação, desfocalização, transparência, obstrução ou brilho, fragmentação ou pixelização.

O título deste programa é uma homenagem a Daniel Arasse (Argel 1944 – Paris 2003) que dedicou grande parte da sua vida de historiador da arte às questões de representação e às viagens do olhar na pintura italiana do Renascimento. Sensível ao deslumbre suscitado pela pintura, Arasse desenvolveu a prática de buscar e detetar as histórias subtis, humorísticas e muitas vezes escondidas por trás do maravilhamento daquilo que se dá à primeira vista. No seu livro On n’y voit rien, publicado em Paris em 2000, apontou para os enigmas e os jogos de sentidos contidos nas composições dos artistas.

O ciclo expõe uma seleção de obras que, em muitos casos, apresentam um trabalho experimental envolvendo jogos de alteração de material visual performativo ou já existente através do uso de tecnologias modernas ou atuais. Tem por objetivo oferecer uma reflexão sobre o paradoxo das imagens analógicas e digitais, entre o seu papel de mostrar e as suas simultâneas dinâmicas de artifício, manipulação ou deterioração.

A seleção oferece ao público uma mistura de obras pioneiras realizadas com suportes analógicos e técnicas manuais, de obras marcantes na história recente da videoarte e de trabalhos contemporâneos produzidos por artistas emergentes.

O programa divide-se em três sessões que se organizam em torno de variadas abordagens técnicas e conceptuais: Obstrução, Desfocagem e Deterioração, entre 18 de maio e 24 de junho; Ready-mades manipulados, entre 26 de junho e 5 de agosto; e Colagem de diversos registos de material áudio e visual, entre 7 de agosto e 9 de setembro.

CAM EM MOVIMENTO

CAM em Movimento é uma programação «fora de portas», que reúne um conjunto de intervenções site-specific de artistas e exposições com obras da Coleção em diferentes espaços da cidade de Lisboa e da área metropolitana. Saber mais


Biografias


Programa

«Obstrução, Desfocagem e Deterioração»

Nesta seleção, as imagens em movimento dão a ver, mas a visibilidade oferecida está dificultada.
As perturbações do visível podem ser provocadas por um processo manual e performativo de obstrução com a aplicação de uma camada de pintura opaca para formar um ecrã que progressivamente bloqueia a vista sobre o sujeito no foco da atenção (Fernando Calhau).
Podem também vir de efeitos de desfocagem na captação de nuvens (Fernando Moletta) ou de uma dança de caráter lúdico e provocador (Pipilotti Rist). Podem ainda ser provocadas por efeitos de corrupção intencional dos dados digitais com a técnica de data moshing que consiste num processo mais ou menos controlado de deterioração e danificação das imagens (Pipilotti Rist).
Implica assim a exploração estética, formal e semântica de “erros técnicos”. Em todos os casos, a perceção está atenuada, fragmentada ou quebrada. A perturbação do que se dá a ver pode ser acompanhada por uma trama sonora que também joga com a deformação, a síncope ou a deterioração.

Fernando Calhau, «Destruição», 1975

Original em Super 8 transferido para DVD. Cor, s/som, 3’40’’
Sobre este filme, o artista disse: “É um filme de animação, curiosamente. Aquele traço que segue a minha mão é desenhado em cima da película com uma caneta Rotring, que nem sequer é tinta própria para aquele tipo de trabalho. A ideia era fazer com que o gesto, um gesto idealizado, tapasse o ecrã e transformasse uma realidade visível – que seria eu e a paisagem que estava atrás de mim – numa realidade obliterada até ficar um negro” (em “Todos os pintores contam a mesma história durante toda a vida”, Entrevista de Vanessa Rato a Fernando Calhau, no Público, 21 out. 2001).

Pipilotti Rist, «I’m not the Girl Who Misses Much», 1986

Vídeo transferido de fita de vídeo. Cor, som, 7’46’’
No seu primeiro trabalho amplamente reconhecido, criado quando ainda estava na escola de arte, Rist estabelece muitos dos elementos visuais, auditivos e conceptuais fundamentais que ressoam em todo o seu corpo de trabalho.
Utilizando a estratégia de autorreflexão da videoarte do início dos anos 70, Rist vira a câmara para si própria. Colocando o seu corpo no centro do enquadramento, apresenta-se como uma figura frenética e dançante que canta repetidamente o título da peça, uma letra reinterpretada da canção de John Lennon «Happiness Is a Warm Gun» (1968). Ao manipular a sua velocidade e editar o vídeo para criar efeitos de imagem e áudio desfocados e disjuntivos, Rist apresenta uma performance abstrata que tanto celebra como parodia formas mais didáticas de arte feminista e videoarte.

Fernando Moletta, «Dispositivo para uma nova agenda. (À caça)», 2022

P/b, som, 4’15”Realização: Fernando MolettaFilmagem: Fernando MolettaProdução: Callaloo StudioMontagem: Fernando Moletta e Robe DalazenBanda sonora: Adaptação de «The Carateker – It's just a burning memory»
Este trabalho é formado por imagens informes e incertas, as quais desejam ativar uma busca por algum futuro. A banda sonora, tirada do álbum Everywhere At The End Of Time, do The Caretaker, tem por título It’s just a burning memory. Leyland Kirby, o músico por detrás deste projeto musical, teve uma relação musical e crítica com o filósofo Mark Fisher a quem o vídeo se dedica. Na sua influente publicação de 2009, Realismo Capitalista (2009), Fisher popularizou a observação de Fredric Jameson: “É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”.

Ficha técnica

Curadoria

Katherine Sirois

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