Do caráter do lugar
O conceito de carácter do lugar deriva do conceito de genius loci cunhado pela cultura grega. Este conceito é um dos dispositivos fundamentais no desenho da paisagem. Ele reconhece que cada paisagem tem um carácter próprio, uma personalidade própria que a diferencia de outra paisagem.
São elementos definidores do caráter do lugar a sua forma, função e história. Estes três elementos, determinantes no desenho da paisagem, remetem para a matéria, viva e inerte, e para o tempo histórico e biológico.
Cada lugar onde se desenha uma paisagem tem uma história para contar: uma história ecológica e uma história cultural.
A história ecológica construída a partir das diferentes componentes ecológicas que se relacionam naquele lugar e lhe determinam a morfologia, a luminosidade, a atmosfera, uma espacialidade fundacional. A partir desta define-se um programa, constrói-se e antecipa-se um futuro através do projeto.
A história ecológica do lugar onde se desenha o Jardim da Fundação Gulbenkian sintetiza-se na encosta virada a norte onde o Jardim se localiza. Ela é parte integrante das caraterísticas morfológicas, geradas pelo relevo, que caracterizam a cidade de Lisboa e que, num tempo longo, se foram construindo.
A história cultural pode ler-se numa sequência de espaços que nesta encosta se foram construindo de acordo com as transformações da sociedade e consequentemente da cidade:
– Do séc. XVII chegou, até ao presente, a forma trapezoidal que a quinta rústica de Fernando Larre (ou Quinta do Provedor) fundou;
– Da segunda metade do século XIX perpetuou-se a ideia de Parque que José Maria Eugénio de Almeida idealizou e que Jacob Weiss desenhou: O Parque de Santa Gertrudes;
São elementos fortes desse desenho:
– O eixo principal que ligava o palácio com o lago.
– A frondosidade da vegetação.
– A suave modelação que havia sido introduzida pela construção do lago e que de imediato definiu duas espacialidades distintas a montante e a jusante do lago. A primeira marcadamente com uma espacialidade de jardim a outra como espaço mais ambíguo onde o ciclone de 41 provou elevados estragos.
– Do final do século XIX emerge a ideia de sociabilidade através do Jardim Zoológico e de Aclimação de Lisboa que se instala no Parque de Santa Gertrudes entre 1866 e 1905;
– Do período entre 1905 e 1915 herda o conceito de mundanidade, que a instalação de um velódromo e depois de um hipódromo determinaram no Parque de Santa Gertrudes;
– Entre 1943 e 1956 a ideia de espaço de sociabilidade reforça-se pela instalação da Feira Popular Lisboa.
A análise do processo desenvolvido por António Viana Barreto e por Gonçalo Ribeiro Telles revela que estas dimensões ecológicas e históricas foram compreendidas pelos projetistas:
– A planta de os elementos de trabalho, que informam todo o processo de projeto, expressa a compreensão do lugar ecológico.
– A espacialidade aprazível determinada pela presença de água e por um coberto arbóreo rico e diverso, que se encontra descrita e representada em vários documentos, foi reescrita de acordo com o contexto temporal que define um novo desenho de jardim.
– O eixo estruturante definido no séc. XIX encontra-se reinventado no eixo visual que se desenvolve desde a fachada sul da Galeria das Exposições Temporárias.
– O lago estático, contido, desenhado por Weiss, reinventa-se num desenho onde são as lógicas ecológicas que orientam o projeto e não os pressupostos pitorescos do século XIX.
– A vegetação é elemento de construção de espacialidades e utilizada pelo seu valor estético e ecológico intrínseco e não só pelo seu exotismo.