Sem Título [Sagrada Família]

1955

Realizado no ano em que José Escada aderiu ao Movimento de Renovação da Arte Religiosa (MRAR), adesão formalizada em novembro de 1955, o presente desenho é contemporâneo também do período em que o artista esteve envolvido no projeto de decoração da igreja de Moscavide, em Lisboa, para a qual concebeu um baldaquino suspenso. O MRAR, formado de início por um núcleo de arquitetos, leigos de confissão católica, fora fundado com a intenção de propor uma renovação das formas da arquitetura e da arte religiosa, adequada a uma sintaxe moderna que conciliasse os interesses formais com os novos conceitos da celebração litúrgica. Para além dos arquitetos, o MRAR agregou a si um conjunto de artistas plásticos como Manuel Cargaleiro, Madalena Cabral ou, mais tarde, figuras como Lagoa Henriques, Jorge Vieira, Eduardo Nery, para além do próprio José Escada que em 1961 criara a marca gráfica que haveria de figurar nos boletins editados pelo Movimento até 1966.

O artista recriou pois uma «Sagrada Família» muito sóbria no seu conceito centrado no busto das duas figuras principais, homem e mulher ou José e Maria, com a narrativa religiosa apenas recordada numa aura – círculo discreto – contornando a cabeça do Menino. Desenho clássico no seu conceito espacial, organizando-se em triângulo cujos vértices são dominados por cada um dos protagonistas, responde esta «Sagrada Família» amável, integrada na convenção dos Evangelhos: um São José vigilante e protetor, com as barbas da sageza, fitando a Virgem, de aparência juvenil e casta com um véu somente sugerido pelo breve ondular de um fio, à esquerda –, o Menino deitado selando deste modo a união entre as duas figuras maiores, seus progenitores.

À diferença de outros trabalhos de José Escada da mesma época conservados na Coleção Moderna (veja-se Retrato de Lourdes Castro e Retrato de Teresa de Sousa), onde o principal elemento visual é a linha, o presente desenho revela um tratamento simbólico das figuras através da modelação com sombras. Estas sombras, tracejadas e acentuadas em particular em São José, mais do que apenas conferirem volume aos corpos, concorrem para reforçar a importância alegórica de certos elementos, a vetustez, a união das figuras, e mais abaixo, uma mão de São José que remata a imagem pela direita. Como um gesto de amparo, é uma mão só que evoca a condição da figura bíblica como a condição do próprio artista, ambos professando ofícios manuais.

Ana Filipa Candeias

 

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Atualização em 25 julho 2017

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