Sem Título

1963

Nesta obra do início dos anos de 1970, incorporada na Coleção Moderna em 1981, José Escada oferece uma variação sobre o tema da luz e da matéria orgânica, sendo a cor preterida em benefício de uma acromia (grisalha) de sépias e negros. A subtração da cor confere a esta imagem (como noutras do mesmo ciclo, iniciado por volta de 1963) uma qualidade enigmática que se acentua ainda pelo efeito de contraste luminoso: proteiforme, sem princípio nem fim, formando um padrão orgânico aberto, idêntico a si próprio e múltiplo, simples e sofisticado. O diverso e o uno na natureza, o traço comum às espécies vegetais e animais de que o humano é parte, célula e linha, formam uma linguagem comum à pintura e aos relevos tridimensionais recortados que José Escada inventou pela mesma época. Assim, a presente obra pode colocar-se de concerto com o Sem título (1974) em folha de flandres conservado na Coleção Moderna (inv. 95P347), estruturando-se de acordo com a mesma polifónica compartimentação do espaço em módulos de dimensões variáveis nos quais se inscrevem películas, filamentos, microtúbulos e lanceolados, formando-se dessa interação forma-fundo um cloisonné característico do artista: espaços nascendo de espaços, refegos, pregas e vincos, figuras ondulantes e dinâmicas brotando da organização sequencial de superfícies planas, côncavas e convexas, numa palavra, um labirinto. O encantamento suscitado por esta obra de Escada origina-se em grande medida desse efeito de sinuosidade contínua, sem princípio nem fim, formas e signos conjugando-se em padrões simultaneamente semelhantes e irrepetidos sobre a armação ortogonal – ela própria livremente interpretada – do fundo. O vocabulário de signos caro a Escada forma agora uma morfologia completa: catálogo de (proto-) formas contíguas ou interligadas, membranas e órgãos, partes de corpos, mas também células estreladas, arborescências, dendrites, transfigurando-se sobre um fundo de discreta geometria, da qual consegue o artista extrair com a máxima eficácia a sugestão de um movimento plasmático indefinido. A história natural, segundo José Escada, é a narrativa do elo comum às plantas como aos animais: matéria orgânica, tempo e espaço, harmonia e mistério.

Ana Filipa Candeias

 

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Atualização em 25 julho 2017

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