Quando Calouste Gulbenkian deixou o grande apartamento de Quai d’Orsay e passou a ocupar a mansão da Avenue d’Iéna era sua intenção transformar os seus espaços, adequando-os a uma nova vivência, tanto da sua família como da sua coleção. No que respeita à segunda, a ordem encontrada para os objetos poderá parecer sem critério, mas isso explica-se através das próprias palavras de Gulbenkian, tantas vezes repetidas: «sou muito eclético… não sou um colecionador de épocas ou de séries». Ora a organização da coleção na casa que escolheu para a acolher parece privilegiar sentidos que contrariam o «arrumo» do Museu, esses sim tradicionalmente preocupados com uma organização geográfica, temporal, serial, tipológica… Para isso terá também contribuído o apoio do arquiteto Emmanuel Pontremoli e do decorador Adrien Karbowsky, que ajudaram a dar forma ao pensamento de Gulbenkian e ao seu gosto pelo decorativo. Na exposição Linhas do Tempo, esse gosto assoma no diálogo que a natureza ornamental dos objetos propicia. Veja-se o biombo e os batentes de porta, habitualmente em reserva, que parecem não ter lugar na lógica expositiva do Museu. Une-os a técnica da laca, de tradição milenar, que encontra no período Déco, um revivalismo feliz, atualizando a sua expressão decorativa, como no exemplo do biombo de Dunand, que utiliza animais e plantas de grande realismo e qualidade formal. Nesse mesmo período, Gulbenkian está atento a objetos provenientes de longitudes distantes, como o Irão, adquirindo os batentes de porta presentes na exposição. A riqueza decorativa de matriz naturalista e a mestria da sua execução são valores que justificam plenamente as opções de Gulbenkian, para quem a arte da laca exercia tanto fascínio, independentemente da época ou do centro de produção em que foram executados.
João Carvalho Dias, curador