Nevarte Essayan
Memórias na Coleção Gulbenkian
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Museu Calouste GulbenkianA história de uma coleção reflete, como um espelho, as vidas entrelaçadas de artistas, colecionadores e negociantes. Esta exposição transcende as dimensões mais visíveis e revela outra figura: Nevarte Adèle Essayan Gulbenkian. Casada com Calouste Gulbenkian, ficou conhecida como «a mulher mais rica do mundo» e, em círculos privados, como a «alma da festa». Esta caracterização é superficial e levanta duas questões: quem foi Nevarte e que histórias partilha com a Coleção?
Ao relacionar objetos que, tendo sido adquiridos pelo Colecionador, integraram maioritariamente os aposentos de Nevarte nas casas onde viveu em Londres e Paris – após sair de Constantinopla (Istambul), onde nasceu em 1875 – destaca-se a sua identidade e percurso. Mulher arménia, instruída, cosmopolita, extrovertida, pouco convencional e entusiasta da vida, estabeleceu ligações sociais, familiares e afetivas que se estenderam do Médio Oriente a Lisboa.
Nevarte foi a única pessoa a acompanhar o marido e a criação da Coleção ao longo de 60 anos. Quando faleceu, em 1952, Calouste Gulbenkian cortou todas as rosas vermelhas do seu jardim na Normandia para cobrir o corpo na igreja arménia de Paris. O gesto foi profundamente simbólico. As rosas, a flor predileta do Colecionador, representavam a sua «nova rosa», o significado do nome Nevarte em arménio: նոր վարդ.
Temas
Meu Querido Calouste
Sempre Elegante
Genial, mas um Elefante Branco
A Alma da Festa
Vinte Mil Léguas por Terra e Mar
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Nova Rosa em Flor
Nevarte, nome que em arménio significa «nova rosa», viveu os primeiros anos da sua vida em Constantinopla. Originalmente de Kayseri, na Capadócia, os Essayan prosperaram primeiro no comércio e, mais tarde, na banca, expandindo-se até Manchester, Liverpool e Londres.
Segundo o seu pai, Ohannes Essayan, Deus teria cometido um único erro em relação à sua família: ter feito de Nevarte uma rapariga e não um rapaz, acreditando que «Com a sua inteligência – o seu tato – o seu bom senso – a sua energia, ela teria sido um sucesso nos negócios». Esse cenário seria, no entanto, pouco provável, mesmo no ambiente da elite arménia otomana e numa época em que as mulheres começavam, lentamente, a conquistar o seu espaço na esfera pública.
Apesar das limitações socialmente impostas, Nevarte recebeu uma educação relativamente abrangente em casa. Com a orientação de preceptores e governantas, além das atividades convencionais, como os bordados, estudou francês, inglês, arménio e, ainda, algumas disciplinas científicas, como a astronomia. Em contraste, o seu irmão Yervant estudou no colégio de Harrow e na universidade de Oxford, em Inglaterra.
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Meu Querido Calouste
Nevarte Essayan e Calouste Gulbenkian apaixonaram-se no verão de 1889. As suas famílias integravam os círculos da elite de Istambul, especialmente em Beyoğlu, onde os Essayan passavam o inverno, e em Büyükdere, onde tinham uma casa de verão. Embora as duas famílias se conhecessem, foram necessários dois pedidos de casamento devido à idade de Nevarte, então com catorze anos.
Após anos a trocar cartas de amor, evitando expressões consideradas inadequadas, a partir de 12 de junho de 1892, Nevarte passou a usar livremente – e até ao fim da vida – a expressão «Meu querido Calouste». O casamento, celebrado segundo o rito arménio, decorreu no Hotel Metrópole, em Londres, com grande esplendor. Sem tempo para lua-de-mel, Calouste voltou ao escritório da C.&G. Gulbenkian no dia seguinte.
Nevarte admirava a determinação do marido e revelou-se instrumental na ascensão social dos Gulbenkian. Para tal, contribuíam os passeios no Victoria Park, o chá no Hotel Savoy e as estadias em Nice e Cap Martin, assim como as receções na casa da família em Londres, por onde passaram príncipes, embaixadores, empresários e artistas. Simultaneamente, Nevarte manteve-se ativa na comunidade arménia, tendo sido inclusivamente presidente da Armenian Ladies’ Guild.
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Sempre Elegante
Nubar Gulbenkian recordava a mãe como uma pessoa «sempre elegantemente vestida». Mulher do seu tempo e muito coquete, Nevarte acompanhou o surgimento das primeiras casas de alta-costura, como é o caso das irmãs Callot, célebres pela utilização de rendas antigas, têxteis orientalistas, bordados elaborados e fitas, que tanto a cativaram.
O gosto de Nevarte pela estética da Belle Époque estendia-se às joias, considerando o estilo do início do século como o ideal para a sua personalidade e estatuto social. Esta predileção, associada a uma inclinação por esmeraldas e rubis, traduziu-se em múltiplas transações com grandes casas joalheiras e com Atanik Eknayan, um proeminente lapidador arménio.
Nevarte adquiriu pessoalmente algumas das peças, como um colar de rubis e diamantes, estilo Luís XVI, da Boucheron. Outras foram presentes de Calouste Gulbenkian, como uma pulseira de diamantes e turquesas, por ocasião do 50º aniversário de casamento. Em ocasiões especiais, usou também peças da coleção Lalique do seu marido, com que se fez fotografar.
Entre as joias pessoais adquiridas a Lalique, como um alfinete de chapéu e um pente, contam-se ainda peças criadas segundo as especificações de Nevarte, como um colar adornado com 22 rubis, diamantes e motivos vegetalistas em ouro esmaltado.
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Genial, mas um Elefante Branco
Nevarte tinha sentimentos contraditórios em relação ao hôtel particulier adquirido por Calouste Gulbenkian em 1922, tanto como residência familiar quanto como espaço para reunir a sua coleção de arte. Completamente remodelado segundo as especificações do Colecionador, o 51 avenue d’Iéna era visto como «uma maravilhosa criação do seu génio», mas também como «um elefante branco difícil de manusear». Afinal, a administração da casa exigia, não só, supervisionar 105 divisões e 28 empregados, mas também atender às exigentes instruções do seu marido, em termos de gestão, economia e segurança.
Os aposentos de Nevarte ocupavam o segundo piso e, como muitas das divisões, incluíam obras da coleção, sobre as quais certamente exerceu influência na escolha. Dos diferentes espaços, destacava-se o boudoir, uma sala de estar oval especialmente projetada para receber sete tapeçarias tecidas na Manufatura de Aubusson segundo cartões de Jean Pillement.
Era neste espaço que Nevarte costumava tomar o chá da tarde, sentada numa cadeira ou canapé de estilo Luís XIV e Luís XV, após um passeio no Bois de Boulogne. No pós-guerra, tornou-se comum passar os serões com a sua filha Rita e o neto Mikaël, que ali se dedicava ao estudo da língua arménia, um assunto pelo qual Nevarte demonstrou especial empenho.
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A Alma da Festa
Ansiosa por retomar as receções, no pós-guerra, na casa situada no 51 avenue d’Iéna, Nevarte pediu ao marido, em dezembro de 1946, que se destapasse a Diana de Houdon e a tapeçaria La Pipée aux Oiseaux, visíveis desde a entrada, e que as pinturas do Salon Rond, a sala de receção no piso térreo, fossem reinstaladas.
Conhecida pela sua vivacidade e apurado sentido de humor, Nevarte, frequentemente apelidada de «alma da festa», equilibrava a natureza reservada de Calouste Gulbenkian, destacando-se nos círculos diplomáticos, financeiros, governamentais e aristocráticos de Londres, Paris e Lisboa.
A casa da avenue d’Iéna era o seu palco por excelência, onde recebia amigos e era anfitriã de eventos relacionados com as atividades do marido. É o caso do almoço oferecido, em 1947, à princesa Ashraf Pahlavi, irmã do Xá do Irão, para quem Nevarte considerou indecorosa uma receção no Salon Rond, entre a nudez da Flora de Carpeaux e da Dafne de Watts.
Entusiasta de música clássica francesa e de Franz Lehár, Nevarte assistia regularmente a concertos, peças de teatro e óperas, partilhando com o marido uma predileção pelo Rigoletto de Verdi. Para seu grande desgosto, uma surdez crescente acabaria por comprometer esses momentos de fruição que tanto apreciava.
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Vinte Mil Léguas por Terra e Mar
Entre os objetos de Nevarte na casa da avenue d’Iéna, destacava-se uma coleção de livros de Jules Verne. Estes volumes refletiam o seu gosto por viagens e ampliavam o leque de destinos preferidos, reais ou imaginários, geralmente estâncias balneares e termas, como Nice, Évian, Aix-les-Bains, Baden-Baden e Marienbad.
Num registo diferente, em 1923, planeou uma viagem ao Egito, motivada pela curiosidade sobre as descobertas de Howard Carter, a quem Gulbenkian pediu autorização para que visitasse o túmulo de Tutankhamon. Nevarte conhecia bem o país, onde tinha família, e guardava boas memórias da época em que ali viveu.
Inesquecível foi, também, uma viagem ao Médio Oriente em 1935, sobre a qual escreveu a Nubar: «Estou muito entusiasmada! Disse ao seu pai que adoraria ir a Bagdade e ele não tem objeções!!!» A deslocação integrava-se nas cerimónias de inauguração do oleoduto Iraque-Mediterrâneo, nas quais deveria representar o marido. Porém, devido a uma série de dificuldades, acabaria por ficar a meio do itinerário, em Jerusalém.
Uma das suas últimas grandes viagens foi para Lisboa, em 1942, onde permaneceu até 1946. Longe das privações da guerra e perfeitamente integrada, participava em receções diplomáticas, assistia a espetáculos no Teatro São Carlos e a competições no Estoril Golf, dedicando-se também a lições de português e a visitas à Biblioteca de Cascais.
Ficha técnica
Curadoria
Vera Mariz
Imagem
Andreia Constantino