Esta exposição foi constituída por catorze «panos collage» de Leonor Alvim (1935-2012), artista portuguesa a residir no Brasil desde 1975. Foram dispostos na zona de Congressos da Sede da Fundação Calouste Gulbenkian com recurso a painéis móveis.

Com a sua mudança do Porto para São Paulo, e as suas deslocações a Pouso Alegre (Minas Gerais), onde lecionava, Leonor Alvim começou a interessar-se pela cultura brasileira, seus mitos e tradições com raízes africanas. As pesquisas que então empreende darão origem aos «panos collage», através dos quais a artista representa diversos temas.

Exposto pela primeira vez em 1977, em São Paulo, o trabalho de Leonor Alvim seria dado a conhecer em Portugal por intermédio desta exposição, que teve como tema central os «orixás», divindades da religião africana candomblé, que os escravos levaram para o Brasil, mantendo o seu culto paralelamente à religião católica. Este conjunto de trabalhos alude às origens desse culto e à sua transformação, bem como às cores e ambientes dos rituais que o mantêm vivo.

As composições expostas, predominantemente abstratas e carregadas de simbolismo, resultavam da assemblage de panos costurados, de cores intensas e texturas diversas. Aos elementos geometrizantes juntavam-se por vezes outros, de matriz zoomórfica ou fitomórfica. A maioria da matéria-prima usada nestes trabalhos era proveniente de Portugal e tinha outrora servido cerimónias religiosas católicas. Com este cruzamento de elementos, a artista remetia para a história de convivência de credos e, em particular, para o único modo encontrado pelos escravos negros para manterem o seu culto num momento de conversão forçada ao catolicismo: a associação de cada orixá a um santo católico.

Ao refletir sobre as ações da artista, o crítico de arte Rodolfo Coelho de Souza observa: «Ela sabe que a verdadeira interpretação, o verdadeiro sincretismo, resulta numa nova criação. O material original nunca é apenas citado, mas verdadeiramente recriado.» (Leonor Alvim. Os Orixás. Panos Collage, 1987)

Por outro lado, as ligações à mitologia original foram mantidas através da introdução de representações dos quatro elementos da natureza, com as quais a exposição se iniciava e terminava.

Leonor Alvim descreve este seu conjunto de trabalhos do seguinte modo: «Estas figuras corresponderiam aos arquétipos mitológicos, mas num sentido da ligação do Homem às forças telúricas da Natureza.» E acrescenta: «Quanto a mim, sem entender e sentir essa realidade, jamais vamos compreender o Brasil.» (Carta de Leonor Alvim para José Sommer Ribeiro, 30 nov. 1985, Arquivos Gulbenkian, SEM 00356)

Mariana Roquette Teixeira, 2017