Exposição itinerante de ourivesaria sacra e civil da coleção do Museo de Arte Hispanoamericano Isaac Fernández Blanco, de Buenos Aires (Argentina), apresentada pela Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), por iniciativa da Embaixada da República Argentina em Lisboa, em colaboração com o referido museu de Buenos Aires, entidade organizadora da mostra. O circuito europeu desta exposição passou anteriormente pelas galerias do Louvre des Antiquaires (Musée des Arts Décoratifs), em Paris.

Em junho de 1986, Rodolfo Domingo Parente, embaixador da Argentina em Portugal, submete à apreciação da FCG a proposta para a realização de uma exposição da coleção de ourivesaria dos séculos XVII ao século XX do Museo Fernández Blanco.

O então presidente da FCG, José de Azeredo Perdigão, remete a decisão para apreciação da direção do Museu Calouste Gulbenkian, reiterando que, pela sua parte, tinha «o maior interesse no estreitamento das relações culturais e artísticas entre a Argentina e Portugal» (Carta do presidente da FCG para o Embaixador da Argentina em Portugal, 27 ago. 1986, Arquivos Gulbenkian, MCG 03074).

A diretora do Serviço de Museu, Maria Teresa Gomes Ferreira, defende o interesse da exposição e viabiliza a proposta, justificando-a nos seguintes termos: «A ourivesaria sul-americana, que será pela primeira vez apresentada entre nós, proporcionará ao público visitante e aos especialistas o contacto com obras que são documento expressivo do fausto e da técnica de povos altamente influenciados pelas técnicas e pelas correntes artísticas da Península Hispânica e da Europa.» (Apontamento do Serviço de Museu, 9 set. 1986, Arquivos Gulbenkian, MCG 03074)

Na introdução do catálogo da exposição, a diretora do Museu Calouste Gulbenkian reforçou ainda a importância documental desta mostra, que incluía «aspetos religiosos e civis das obras eruditas e crioulas» da arte da prata nos países da América Latina, além do valor e qualidade artística das peças (Três Séculos de Ourivesaria Hispano-Americana das Colecções do Museu de Arte Hispano-Americana Isaac Fernández Blanco. Séc. XVII-XIX, 1986, p. 5).

Esta coleção foi reunida pelo colecionador Isaac Fernández Blanco e incluía peças do seu acervo familiar, ligado ao período colonial das intendências e dos vice-reinos espanhóis até à organização do Estado Nacional. O interesse colecionista levou Isaac Fernández Blanco a várias localidades do território Argentino e sul-americano, onde adquiriu este conjunto, que se tornou uma das mais importantes coleções de ourivesaria sul-americana dos séculos XVII ao século XX.

A apresentação deste património, ainda pouco conhecido fora dos limites geográficos sul-americanos, era ainda mais pertinente por se tratar de bens vulneráveis, que, pela facilidade dos meios de fundição, se encontravam cada vez mais ameaçados, segundo o especialista Adolfo Luis Ribera no prefácio do catálogo da exposição (Ibid., p. 9). O prefácio apresenta-se como um importante documento de contextualização histórica da exposição, com detalhes sobre a abundância de metais preciosos da região do Alto Peru, desde os Incas até às montanhas de Potosí, e às Guerras da Independência. O prefácio contribuía ainda para a leitura das peças expostas, mediante explicações sobre a iconografia, os principais motivos empregados, as tendências, as técnicas e a distribuição e dispersão geográfica no território sul-americano, remetendo, concreta e pontualmente, para peças numeradas em catálogo e em exposição.

A exposição apresentada na Galeria de Exposições Temporárias do Museu Gulbenkian e comissariada por Guiomar Valverde Pereyra de Urgell, a então diretora do Museo Fernández Blanco, contou com cerca de 150 peças de ourivesaria litúrgica, ligadas ao culto católico – que se destacavam em quantidade e qualidade –, de ourivesaria civil e profana – numa imensa variedade de objetos de uso doméstico e ornamental – e ainda 12 esculturas, pinturas e litografias sul-americanas de igual período. Estes exemplares apresentavam uma grande variedade temática e estilística, com maior incidência para os elementos estéticos do Barroco, do Rococó e do Neoclássico. Contudo, a persistência de algumas formas antigas era também dominante. Alguns dos temas ornamentais do culto litúrgico tinham referências anteriores da arte europeia que só mais tarde chegaram àquelas paragens, veiculadas pela circulação abundante nos territórios de dominação espanhola de gravuras maneiristas e de temas da renascença.

A acompanhar a exposição, e para estabelecer um diálogo entre a ourivesaria sul-americana e a portuguesa, foi montado um suporte didático, constituído por um sistema de projeção contínua de diapositivos que ilustravam a produção de ourivesaria portuguesa dos séculos XVII, XVIII e XIX, selecionados em museus e em coleções particulares.

No âmbito da exposição foi também organizada, com caráter formativo, uma conferência de Adolfo Luis Ribera, professor de História da Arte da Faculdade de Filosofia e Letras de Buenos Aires, e subordinada ao tema «Ourivesaria Hispano-Americana».

Esta exposição foi bem acolhida pelo público, contando com um total de 14 663 visitantes durante os cerca de três meses de vigência. Dada «a invulgar afluência de público, em especial aos fins de semana», o Serviço de Museu propôs ao Conselho de Administração o prolongamento do horário de funcionamento da exposição (Apontamento do Serviço de Museu, 26 nov. 1986, Arquivos Gulbenkian, MCG 03074).

Filipa Coimbra, 2017