João Tabarra. Narrativa Interior

Primeira exposição retrospetiva da obra de João Tabarra (1966). Com curadoria de Sara Antónia Matos, reuniu cerca de 50 trabalhos em fotografia e vídeo, realizados entre 1995 e 2013. Contemplou obras inéditas em Portugal e outras nunca apresentadas ao público, incluindo uma peça produzida especificamente para este projeto expositivo.
First retrospective exhibition of the work of João Tabarra (1966). Curated by Sara Antónia Matos, the show featured around 50 photographic and video works produced between 1995 and 2013. Many of the works were unknown in Portugal or had never before been exhibited, and included an artwork specifically created for the event.

Entre 13 de fevereiro e 18 de maio de 2014, o Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) apresentou aquela que pode ser considerada a primeira grande exposição de caráter retrospetivo da obra de João Tabarra (1966). «Narrativa Interior» percorreu cerca de vinte anos de trabalho do artista português e teve curadoria de Sara Antónia Matos. Ocupou as galerias dos pisos 1 e 01 do CAM.

Com um arco cronológico compreendido entre 1995 e 2013, as 51 peças catalogadas reiteram o modo como Tabarra, desde o início do seu percurso, tem articulado arte e pensamento crítico, sem contudo enveredar por formulações panfletárias ou instrumentalizações ideológicas. Apenas a foto mais antiga exposta, Portugueses na Europa, de 1995, investe numa semiótica satírica mais declarada (e cuja atualidade foi sobejamente realçada no âmbito desta antológica, realizada quase vinte anos depois). Todo o trabalho subsequente vai sublinhando que é na linguagem poética que o artista engendra a problemática relação entre estética e política.

As imagens em que aparece a fada (personificada por um homem assim trajado) estão entre as que mais evidenciam o facto de que as estratégias de Tabarra podem passar por uma contração entre o real e ênfases mais míticas e fabulosas. A fada é visível para o espectador mas na ficção da imagem parece invisível para o outro protagonista da ação – personagem a que o próprio Tabarra dá corpo. A fada contracena com o artista – parece até dizer respeito a uma parte de si – mas é como se este não se apercebesse da sua influência.

No piso 01 do CAM, eram apresentadas 14 imagens dessa linha de trabalho, axial no percurso do artista, e realizada ao longo de vários anos (1999-2008). Entre essas fotos contam-se dois exemplares incorporados na coleção do Centro de Arte Moderna: Promenades au Desastre – Forêt Mobil, Frame II, de 2001 (Inv. FP578), e Allegretto Grazioso I, de 2008 (Inv. FP580). A coleção conta ainda com uma terceira foto, Andante Cantabile ma non Tanto, de 2008 (Inv. FP579), que não terá sido exposta nesta antológica.

A longa série da fada salienta a autorrepresentação como um traço tão distintivo quanto enigmático no trabalho de Tabarra. É muitas vezes o próprio autor quem protagoniza as situações que encena, mas construindo uma imagem de si próprio que coincide com uma personagem incerta. Parece projetar um «eu» que, a um tempo, é tão individual quanto arquetípico, ao ponto de poder deambular pelos problemas da História e da contemporaneidade.

Esta antológica incluiu a foto Auto-retrato, de 1999, quiçá central para o lançamento desta problemática. Mostra o artista camuflado no meio de vegetação, colocando a tónica no jogo de desocultação e ocultação com que Tabarra aparece nas suas obras. O seu envolvimento físico e performativo tornar-se-ia drástico em vários dos seus vídeos – como naquele em que domina uma mangueira, O Encantador de Serpentes (2007), ou na pesada logística de Êxodo (2007), em que um helicóptero «resgata» um homem do oceano, depositando-o numa piscina, e libertando-o novamente no mar.

Obviamente que a autorrepresentação não é nem regra nem chave para analisar a criação deste artista. No entanto, é uma questão proeminente ao ponto de ser interrogada a propósito de peças em que Tabarra nem sequer aparece como ator visível. Uma delas é Repérage Photographique I, de 2001, que foi exposta no piso 1 do CAM e reproduzida na capa do catálogo de exposição. Mostra a parte superior de um muro, com fragmentos de vidro cortante no topo, tipicamente usados para impedir a transposição destas barreiras físicas. O betão «barra» claustrofobicamente o plano da imagem, com o limite do muro a ser colocado ao nível de uma clássica linha do horizonte. A ideia de transpô-lo – de arriscar fazê-lo – será, metaforicamente, o exercício que cabe a cada espectador diante de uma imagem.

Sobre esta peça, a curadora Sara Antónia Matos sugere que «pode dizer-se ser o único auto-retrato efectivo de João Tabarra» (Narrativa Interior, pp. 30-31). Um artigo do jornal Público – em antevisão a esta retrospetiva – transcreve um comentário do artista quando confrontado com essa possibilidade interpretativa: «Não sei. Talvez as pessoas tenham sentido isso. Dizem-me “isto és tu”. Há um muro que à partida é intransponível. Há uma certa violência escondida, latente, mas se olharmos para a forma como os vidros estão dispostos, sendo ameaçadores, sugerem as formas de icebergs, montanhas. No entanto são acutilantes. Sim, creio que tem a ver comigo, com a possibilidade de transpor o muro que as minhas obras constroem.» (Marmeleira, Público. Ípsilon, 7 fev. 2014, p. 13)

O mesmo artigo informa que Repérage Photographique I foi uma das peças inéditas apresentadas nesta antológica de 2014. Outra seria Inner Landscape, ensaio cartográfico para uma narrativa (2013), produzida para estrear a público nesta ocasião. Capta fotograficamente um bonsai, a partir de uma miríade de ângulos diferentes, conjugando depois esses fragmentos como um puzzle. Sem certezas, podemos especular se não encetará diálogos com as fotocolagens que David Hockney (1937) realiza nos anos de 1980. Pois, como esta antológica realçou, sabemos que o jogo de referências culturais e artísticas é recorrente na obra de Tabarra – da filosofia à literatura, das artes visuais à música. Por vezes, essas fontes são convocadas apenas remotamente, como ecos distantes de um banco de imagens, ideias e crenças solidamente arquivados na cultura visual e literária. Outras vezes, são citações mais diretas, como no caso do vídeo The Moonwatcher's Defeat (2007), que recupera a célebre sequência do osso, numa das cenas iniciais do filme 2001: A Space Odissey (1968), de Stanley Kubrick (1928-1999).

No contexto desta retrospetiva, foram também salientes as videoinstalações que têm no espaço tridimensional um vetor central. Entre os exemplos mais evidentes, encontram-se os vídeos projetados de baixo para cima, num ecrã horizontal elevado sobre a cabeça dos espectadores. São eles, Linha de Costa (2007) e o Poço dos Murmúrios (2002) – peça da qual a coleção do CAM guarda um exemplar (Inv. IM56). Ambas interpelam o observador como se este estivesse submerso – ora assistindo a uma tortura por afogamento (como as tipicamente encenadas no cinema), ora no fundo de um poço, cuja entrada de luz (a possível escapatória) se vai tapando, à medida que se vão depositando moedas. Foram também apresentadas instalações que funcionam na aresta interior da sala, nomeadamente o slideshow duplo Globalization, Petit Poème (2001); e a dupla videoprojeção Please Don't Go (2004), também esta com um exemplar na coleção do CAM (Inv. 13IM59).

Os Arquivos Gulbenkian guardam plantas do espaço expositivo que contêm especificações para a montagem (Planos de montagem, Arquivos Gulbenkian, CAM 00699). A exigência técnica e lumínica das peças terá beneficiado da escolha do artista em expor nas galerias dos pisos 1 e 01 do CAM, em detrimento do open space da Nave. No artigo do Público já citado, Tabarra esclarece essa opção: «O convite da Isabel Carlos foi para expor na nave central, mas optei pelas galerias. Há menos ruído, não existem janelas e assim assegurei o usufruto dos trabalhos que solicitam uma certa intimidade da parte do espectador.» (Marmeleira, Público. ípsilon, 7 fev. 2014, p. 13)

A Nave, por sua vez, recebeu o «O Peso do Paraíso» – antológica de Rui Chafes instalada no Hall, Nave, Salas A e B do CAM e no Jardim Gulbenkian. As três exposições do momento – essas duas e «Preso por Fios», de Nadia Kaabi-Linke (1978), na Sala de Exposições Temporárias do CAM – perfizeram um dos ciclos mais destacados da programação do CAM para 2014.

Segundo documentação interna, «Narrativa Interior» contabilizou 24 188 visitas livres (Relatório final de exposição temporária, 2014, Arquivos Gulbenkian, CAM 00699). Esta afluência foi acompanhada por diversas atividades paralelas. À habitual conversa com a curadora e o artista, em 21 de fevereiro de 2014, seguiram-se diversas iniciativas educativas promovidas pelo Setor Educativo do CAM.

A receção crítica na imprensa terá sido muito positiva, e é destacada no balanço final feito pelo CAM (Ficha de concepção de exposições temporárias, Arquivos Gulbenkian CAM 00699). Além do já citado artigo de José Marmeleira, refira-se um outro, de Kathleen Gomes e igualmente publicado no jornal Público. Transcreve ideias trocadas entre o artista e a historiadora do cinema Nicole Brenez, durante uma visita à exposição (Público. ípsilon, 21 mar. 2014).

Daniel Peres, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Allegretto Grazioso I

João Tabarra (1966-)

Allegretto Grazioso I, 2008 / Inv. FP580

Please don`t go

João Tabarra (1966-)

Please don`t go, 2004 / Inv. 13IM59

Poço dos Murmúrios

João Tabarra (1966-)

Poço dos Murmúrios, 2002 / Inv. IM56

Promenades au desastre - Forêt Móbil,  Frame II

João Tabarra (1966-)

Promenades au desastre - Forêt Móbil, Frame II, 2001 / Inv. FP578


Eventos Paralelos

Visita(s) guiada(s)

À Conversa com o Artista e a Curadora. João Tabarra e Sara Antónia Matos

fev 2014
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal
Visita(s) guiada(s)

Domingos com Arte

mar 2014 – mai 2014
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal
Visita(s) guiada(s)

Uma Obra de Arte à Hora do Almoço

mar 2014 – abr 2014
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal
Visita(s) guiada(s)

A Mão Imaginante. Um Percurso pelo Imaginário de João Tabarra em Forma de Diário Gráfico

mai 2014
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal
Visita(s) guiada(s)

Uma Obra de Arte à Hora do Almoço

mar 2014 – abr 2014
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias

Teresa Patrício Gouveia (à esq.), Sara Antónia Matos (ao centro, atrás), Manuel Castro Caldas (ao centro) e António Monteiro (à dir.)
Teresa Gouveia (à esq.), Artur Santos Silva e João Tabarra (ao centro)
Isabel Carlos (à esq), Artur Santos Silva e Sara Antónia Matos (ao centro) e João Tabarra (à dir.)
Isabel Carlos, Teresa Gouveia (à esq.), João Tabarra(ao centro) e Sara Antónia Matos (à dir.)
Pedro Lapa (à esq.) e João Tabarra (à dir.)

Multimédia


Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00699

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém epistolografia trocada com emprestadores e entidades parceiras, informações sobre seguros, relatórios do estado de conservação de obras, maquetes para a edição do caderno de exposição, plantas do espaço expositivo com planos de montagem. 2012 – 2014

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 4490

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG-CAM, Lisboa) 2014

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 4498

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG-CAM, Lisboa) 2014


Exposições Relacionadas

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