Projeto do coletivo de artistas A kills B, formado por João Ferro Martins (1979) e Hugo Canoilas (1977).

A atividade do coletivo A kills B, criado em 2007, pautava-se pelo entendimento da arte como campo de colaboração e partilha. À semelhança dos projetos anteriores, também o apresentado no Centro de Arte Moderna possuía uma natureza transdisciplinar, fruto de um trabalho conjunto entre a dupla e outros artistas, atores e músicos convidados, entre os quais José Miranda Justo (1951) e Nuno da Rocha (1986).

Desdobrando-se da Sala Polivalente para a Sala de Exposições Temporárias, este projeto, comissariado por Rita Fabiana, era composto pelo espetáculo experimental Ifigénia e Isaac (acção imagética) (2007-2012) e pela instalação Cena (Set) (2012).

Para receber o espetáculo, que reunia quatro atores, quatro cantores e doze instrumentistas, que atuavam no mesmo plano onde se encontravam os espectadores, a Sala Polivalente sofreu uma transformação estrutural, eliminando a distinção entre palco e plateia.

Ifigénia e Isaac, com texto de José Miranda Justo e música de João Ferro Martins e Nuno da Rocha, partia de duas narrativas fundadoras da cultura ocidental: os sacrifícios de Ifigénia (Eurípedes) e de Isaac (Antigo Testamento). Esta «ação imagética», de acordo com a definição dos artistas, era ainda composta por enquadramentos de luz e duas esculturas, duas cabeças monumentais tombadas, em torno das quais se moviam os atores e cantores. Estes movimentavam-se num espaço sem limites definidos, dando aos espectadores a sensação de integrarem a cena, mas sem nela intervirem. Performers e público participavam assim num encontro, no qual ocorria um envolvimento mútuo.

Sobre este acontecimento, José Miranda Justo, no seu texto para o catálogo, esclarece: «A ação é uma interação conflituosa – em diferentes graus de conflitualidade – das afeções imagéticas. Deste modo, a subjetividade (tradicionalmente dita criativa) dos sujeitos da escrita musical, da elaboração verbal e da conceção visual anula-se, e o verdadeiro sujeito produtivo passam a ser as imagens.» (A kills B. A mata B, 2012, p. 35) Era, portanto, na multiplicação de imagens possíveis que residia a participação determinante de cada espectador, consoante a sua experiência, o que resultava em fluxos de imagens por vezes dissonantes.

Após as três sessões que ocorreram deste espetáculo, uma imediatamente antes da inauguração e duas nos dias que lhe seguiram, permaneceram na Sala Polivalente as duas esculturas e alguns assentos. Deste modo, esta passava a ser sala de exposição. Na Sala de Exposições Temporárias mantinha-se a instalação Cena (Set) (2012), que recuperava, expunha e problematizava de outra forma a noção de espectador e performatividade.

O visitante entrava em cena sem dar por isso. No que pareciam ser bastidores, um armário com a porta entreaberta desafiava o visitante a aventurar-se por aquele mundo da ficção e ilusão. Ao abrir a porta dava-se conta de que um buraco no fundo do armário dava acesso a outro espaço. Ao atravessá-lo, o visitante entrava involuntariamente em cena, passando de espectador a ator. Apresentava-se-lhe então uma sucessão de palcos com diferentes cenários e focos de luz direcionados, prontos para receber um qualquer espetáculo. Movimentando-se entre os palcos e a plateia (três filas de lugares provenientes da Sala Polivalente), na espectativa de que alguma ação ocorresse, o visitante expunha-se inconscientemente à observação. Era ele o sujeito da ação sem dar por isso.

Este projeto, que assume o nome do coletivo, parece ser o culminar de uma série de experiências anteriores, levando ao expoente máximo as ideias até então desenvolvidas pelo coletivo.

Para acompanhar esta exposição, foi produzida uma publicação que, além do texto da curadora, inclui ensaios de Christopher Bruckner e de José Miranda Justo, bem como o texto e partitura de Ifigénia e Isaac (acção imagética) (2007-2012).

Mariana Roquette Teixeira, 2019