Roubar com os Olhos. A Coleção do CAM em Relação com Josef Albers

Exposição coletiva que propôs diálogos entre o legado artístico de Josef Albers (1888-1976) e obras de 16 artistas de diferentes nacionalidades. Das relações mais diretas às mais circunstanciais, apresentou 32 peças, com datas compreendidas entre 1913 e 1985. Foi concomitante com a mostra itinerante «Josef Albers na América. Pintura sobre Papel».
Collective exhibition displaying the artistic legacy of Josef Albers (1888-1976) in dialogue with works by 16 artists from different countries. The show presented 32 artworks produced between 1913 and 1985, ranging from the most direct to the most circumstantial ties. The show was held simultaneously with the travelling exhibition “Josef Albers in America. Paintings on Paper”. 

Com curadoria de Ana Vasconcelos, a exposição «Roubar com os Olhos. A Coleção do CAM em Relação com Josef Albers» decorreu paralelamente à itinerante internacional «Josef Albers na América. Pintura sobre Papel». As duas mostras inauguraram em simultâneo, a 17 de maio de 2012. Ficaram ambas patentes ao público entre 18 de maio e 1 de julho de 2012, partilhando o espaço da Galeria do Piso 1 do Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian.

O texto de parede de «Roubar com os Olhos» esclarece que o título parte de uma expressão de Albers (1888-1976) que, «a propósito da sua aprendizagem precoce com o pai, um mestre pintor e decorador com grande talento manual, recordava ter estado exposto a muitas atividades manuais que aprende[ra] a roubar com os olhos. […] Não gostava de enunciar outras influências artísticas […] e afirmava: “Venho do meu pai, muito, e de Adão, e é tudo”» («Roubar com os Olhos» [Aspeto], 2012, Arquivos Gulbenkian, ID: 7056).

Permitindo questionar a habitual mecânica historiográfica das influências, a exposição reuniu 32 obras de 16 artistas de diversos contextos, épocas e nacionalidades, cujas interlocuções com a obra de Albers iam das mais intrínsecas às mais contextuais.

Algumas das peças expostas referem diretamente a obra do artista germano-americano. É obviamente o caso da serigrafia Homenagem a Albers (1972) (Inv. GP346), de Artur Rosa (1926-2020), que interpela, desde o título, as célebres Homenagens ao Quadrado albersianas. Desde o final dos anos de 1960 que a obra de Rosa se aproximava da Op Art, corrente que tem em Victor Vasarely (1906-1997) um dos seus nomes mais destacados. Vasarely estava igualmente representado nesta exposição com quatro relevos de 1970 (Invs. RE21-RE24). Reiteravam-se assim as paridades entre os estudos de psicologia visual da Op e as sistematizações da cor e da forma visual de Albers – legado que podia ser aprofundado na exposição «Josef Albers na América. Pintura sobre Papel».

A outra obra exposta que referencia diretamente Albers é uma serigrafia de 1970 (Inv. 06GP1942) de Fernando Calhau (1942-2002). Cita uma Homenagem ao Quadrado, mas totalmente negra e com as linhas internas em negativo. Em baixo, a inscrição «segundo Josef Albers» confirma a referência visual. Como várias das obras de Calhau dos anos 70, esta peça sintetiza momentos fundamentais da tradição do abstracionismo geométrico, num exercício de problematização e autorreflexão. A lembrança do Quadrado Negro de Malevich (1879-1935) é inevitável, ao mesmo tempo que as linhas brancas, rasgadas em negativo no negro, trazem à memória as primeiras obras minimais de Frank Stella (1936) do final dos anos de 1950.

Calhau (que seria bolseiro Gulbenkian em Londres entre 1974 e 1975) é um dos vários artistas portugueses que dialogaram com as novas correntes abstracionistas da passagem para a década de 1960 – tendências que, de modo mais consciente ou involuntário, manifestam antecedentes nas pesquisas de Albers e de autores que lhe são próximos. Além da já citada Op Art, destacam-se, evidentemente, o minimalismo e a pintura hard edge, ambos com epicentro nos EUA, onde Albers viveu, trabalhou e lecionou até ao final da vida. É perante esses movimentos que também ganha pertinência uma shaped canvas de António Palolo, de 1973 (Inv. 83P573), apresentada nesta ocasião. O percurso artístico de Ângelo de Sousa (1938-2011), autor igualmente representado nesta mostra, é um dos que mais se destacam na relação com essas novas abordagens ao estudo da cor e da forma visual, cujo caráter ponderado e metódico reitera afinidades com Albers.

Ângelo de Sousa fora bolseiro Gulbenkian em Londres, entre 1967 e 1968, numa altura em que o Reino Unido também assistia a propostas que se iam demarcando da espontaneidade do expressionismo-abstrato norte-americano e da art informel europeia, que tanto tinham marcado o passado recente. Esta exposição incluiu obras de abstracionistas britânicos que manifestam essa mudança, nomeadamente de Terry Frost (1915-2003), Robyn Denny (1930-2014), Marc Vaux (1932).

De todo o conjunto exposto, a única peça datada já dos anos 80 – década em que as meditações formalistas atravessam novas crises – é a pintura Happy Fool (1985) (Inv. 86P472), de Joaquim Bravo (1912-1997). Nela, o quadrado volta a ser protagonista. Centrado no plano da tela, e num azul monocromático, tem, todavia, os seus lados «rasurados» por linhas pretas de desenho nervoso. O sentimento de uma «homenagem» ao quadrado parece ser substituído por uma atitude que problematiza o poder hegemónico dessa entidade geométrica, entendida já não enquanto pura forma, mas como um ícone da história do modernismo, que deverá ser sujeito a uma desconstrução semiótica.

Um dos aspetos mais curiosos de «Roubar com os Olhos» foi a forte presença da figuração numa exposição a propósito de Albers – um dos mais destacados abstracionistas da arte do século XX. Permitiu vislumbrar territórios artísticos contemporâneos do artista, dos quais ele se distanciara, mas com os quais partilhou um mesmo tempo histórico e geracional – no caso, os turbulentos anos 30 da Alemanha nazi. Como tantos artistas alemães, Albers emigrou nessa década, em 1933 – o mesmo ano em que George Grosz (1893-1959) também partiria rumo aos EUA. Deste artista – um dos principais nomes da nova objetividade alemã (Neue Sachlichkeit) – a exposição incluiu o desenho Schichtwechsel [«Mudança de turno»] (c. 1920) (Inv. DE81). Os portugueses Mário Eloy (1900-1951) e Bernardo Marques (1898-1962), que estiveram na Alemanha no final da década de 20, terão sido marcados pelo «realismo mágico» da Nova Objetividade e pelas suas atualizações do expressionismo. Foram igualmente representados nesta mostra, bem como Júlio (1902-1983), em cuja pintura ressoam igualmente afinidades com a arte alemã desses anos – especialmente com a sua vertente mais satírica, da qual Grosz foi um dos protagonistas.

Eduardo Viana (1881-1967) era representado com um dos nus que realiza para o Bristol Club (Inv. 83P41), de 1925, reforçando o fenómeno de um «retorno à ordem» figurativista, tão sentido nos anos 20 e 30, e tão antagónico com o caminho que Albers seguiu.

Quem também passou pela Alemanha, mas muito antes, em 1912-13, foi Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918). Esta mostra incluiu seis obras da sua autoria – as mais antigas do conjunto exposto. Merecem especial menção, pois são experiências na orla da Corporation Nouvelle (da qual Viana também fez parte) – célebre projeto internacional encabeçado pelo casal Delaunay, cujo orfismo pode ser encarado noutra tradição de pesquisa cromática, paralela à de Albers. O cubismo órfico fez da pura vibração cromática um veículo para a abstração, mas Amadeo – que experimentara uma «protoabstração» de matriz cubista logo em 1913-14 – devolve a figuração ao orfismo. Este aparente anacronismo revela-se profundamente consciente quando, em pinturas como Casita Clara (1915), que terá sido exposta, as janelas são o pretexto assertivo para jogos abstratos que «homenageiam», também eles quadriláteros frontalizados e centrados em composições de cromatismo intenso.

Com efeito, a obra de Amadeo – autor de pinturas como A Ascensão do Quadrado Verde (1917) – revela-se premonitória de fileiras artísticas que só o primeiro pós-guerra afirmaria plenamente e às quais o vanguardista português já não assistiu. Nesse período entre guerras, Albers integra-se entre os que consolidaram uma frente abstracionista, junto de autores que, como ele, partilharam a experiência da Bauhaus, expandindo legados do Construtivismo e do Neoplasticismo. No contexto português, Joaquim Rodrigo (1912-1997) foi um dos mais inventivos intérpretes dessa tradição. Deste autor, a exposição apresentava a tela Vermelho x Azul 2, de 1958 (Inv. 83P524), da última fase do seu abstracionismo geométrico dos anos 50. O percurso de Rodrigo tem a particularidade de, a um tempo, se revelar retrospetivo face aos primeiros abstracionismos (que a Abstraction-Création congregaria nos anos 30), mas igualmente inventivo e prenunciador dos territórios do minimalismo e da pintura hard edge – movimentos de uma década de 60 em que Rodrigo já estava imerso no seu neofigurativismo.

No âmbito desta exposição foram programadas duas visitas orientadas, uma por Susana Anágua, enquanto mediadora do Setor Educativo do CAM, outra por Ana Vasconcelos, curadora da exposição (Agenda Mensal. Fundação Calouste Gulbenkian, jun. 2012, p. 8).

Segundo Leonor Nazaré, a receção crítica desta mostra não teve expressão, tendo havido um défice jornalístico generalizado no acolhimento crítico das exposições de obras da coleção do CAM realizadas neste período (O Tempo no Espaço, p. 106). No caso específico de «Roubar com os Olhos», é presumível que esse silêncio se deva, em parte, ao facto de o projeto ter ficado um pouco na sombra da itinerante «Josef Albers na América», mostra à qual se associou.

Daniel Peres, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

A  casita clara            paysagem

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

A casita clara paysagem, Inv. 77P15

Canção d'açude   poema em cor

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Canção d'açude poema em cor, Inv. 87DP335

CRISTAL PARTIDO     CORAÇÃO     DIAMANTE

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

CRISTAL PARTIDO CORAÇÃO DIAMANTE, Inv. 87DP329

Força   amor   raiva

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Força amor raiva, Inv. 77DP328

MULHER DECEPADA     BRISEMENT DE LA GRÂCE CROISÉE DE VIOLENCE NOUVELLE

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

MULHER DECEPADA BRISEMENT DE LA GRÂCE CROISÉE DE VIOLENCE NOUVELLE, Inv. 92DP1109

Título desconhecido

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Título desconhecido, Inv. 87DP340

Pintura

Ângelo de Sousa (1938-2011)

Pintura, 1974/75 / Inv. 85P578

S/Título

António Palolo (1946-2000)

S/Título, 1973 / Inv. 83P573

Escultura para Espaço Urbano I

Artur Rosa (1926-2020)

Escultura para Espaço Urbano I, 1971 / Inv. 82E792

Escultura para Espaço Urbano II

Artur Rosa (1926-2020)

Escultura para Espaço Urbano II, 1973 / Inv. 82E793

Homenagem a Josef Albers

Artur Rosa (1926-2020)

Homenagem a Josef Albers, 1972 / Inv. GP346

Pateo de Berlim

Bernardo Marques (1898-1962)

Pateo de Berlim, 1929 / Inv. DP1663

s/título

Bernardo Marques (1898-1962)

s/título, 1932 / Inv. DP1673

s/título

Bernardo Marques (1898-1962)

s/título, Inv. DP1661

Nu (Pintura para o Bristol Club)

Eduardo Viana (1881-1967)

Nu (Pintura para o Bristol Club), 1925 / Inv. 83P41

sem título

Fernando Calhau (1948-2002)

sem título, 1970 / Inv. 06GP1942

Schichtwechsel

George Grosz (1893-1959)

Schichtwechsel, c. 1920 / Inv. DE81

Happy Fool

Joaquim Bravo (1935-1990)

Happy Fool, 1985 / Inv. 86P472

Vermelho x Azul 2

Joaquim Rodrigo (1912-1997)

Vermelho x Azul 2, 1958 / Inv. 83P524

O burguês e a menina

Júlio dos Reis Pereira (1902-1983)

O burguês e a menina, 1931 / Inv. 83P85

Item Series DPY

Marc Vaux (1932-)

Item Series DPY, Inv. PE130

A Fuga

Mário Eloy (1900-1951)

A Fuga, Inv. 04P1268

Estudo para a pintura "A fuga"

Mário Eloy (1900-1951)

Estudo para a pintura "A fuga", Inv. DP808

Estudo para a pintura "A fuga"

Mário Eloy (1900-1951)

Estudo para a pintura "A fuga", Inv. DP1630

Título desconhecido

Mário Eloy (1900-1951)

Título desconhecido, Inv. DP841

Título desconhecido (Figura feminina)

Mário Eloy (1900-1951)

Título desconhecido (Figura feminina), Inv. 83P203

Painting no. 10

Robyn Denny (1930-)

Painting no. 10, 1961 / Inv. PE56

Yellow Suspense

Terry Frost (1915-2003)

Yellow Suspense, Inv. PE229

Bellatrix

Victor Vasarely (1906-1997)

Bellatrix, 1970 / Inv. RE24

Cassiopee

Victor Vasarely (1906-1997)

Cassiopee, 1970 / Inv. RE22

Eridan

Victor Vasarely (1906-1997)

Eridan, 1970 / Inv. RE23

Song

Victor Vasarely (1906-1997)

Song, 1970 / Inv. RE21


Eventos Paralelos

Visita(s) guiada(s)

Domingos com arte

jun 2012
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal
Visita(s) guiada(s)

Encontros ao Fim da Tarde

jun 2012
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias


Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00630

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém lista das obras que integram a exposição. 2012

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 7055

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG-CAM, Lisboa). 2012


Exposições Relacionadas

Vasarely

Vasarely

1980 / Sede Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa

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