Exposição de uma série de desenhos de Fernando Lemos (1926-2019) pertencente à coleção do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP).

Depois da mostra de fotografias «Fernando Lemos. Alguns Amigos, 1949-1951», que dois anos antes ocupara o espaço de exposições rotativas no piso 01 do CAMJAP, a série Memórias (1984) foi apresentada no piso 0, revelando uma outra faceta da obra deste artista português que cedo se estabeleceu no Brasil.

Sendo Fernando Lemos vastamente conhecido e reconhecido pelas suas experiências fotográficas enraizadas no Surrealismo, esta pequena exposição centrou-se numa fase particular da sua obra gráfica, na qual desenho, gravura e fotografia parecem fundir-se. Nesta série de trabalhos, o artista explora as potencialidades da chapa de offset, não como meio de reprodução, mas como suporte final.

Memórias n.os 1-14 são gravações de desenhos através da luz. Inicialmente executados em papel poliéster, estes foram transferidos para a chapa de alumínio, tornando possível a sua reprodução em tiragem múltipla, apesar de nunca executada. A essência destes desenhos assenta precisamente na ideia de possibilidade de eternização.

As formas enigmáticas dessas composições abstratas, algumas das quais selecionadas e reproduzidas em formato ampliado na parede de entrada da exposição, são descritas por Lemos como «movimento indefinido, porém claro. Necessariamente claro, isto é, translúcido, gráfico e atento na captação e no registo isento de emotividade. […] Será retícula de palpitação numa imitação da electrónica? Barroco viajante sem retorno? […] É isso, barroco, compulsivo, sem cortes, desvairado, algumas vezes recorte do já visto e olhado, deslembrado e desmembrado na televisão — esse planeta equidistante já nascido com a máscara da obsolescência!» (Fernando Lemos. Desenhos Memórias, 1985).

Através da ausência de marcas do sujeito, estas composições buscam uma racionalidade e objetividade que as aproxime de um produto mecanicamente produzido, lembrando gráficos, diagramas, registos de uma qualquer atividade desconhecida, intercetada por outras ou com interferências e sobreposições. Tal «proposta de linguagem especificamente sintética», como o artista a caracteriza, requeria, na sua opinião, «uma superfície […] fria, sem texturas nem resquícios de emotividade», o que o terá levado à escolha da chapa de alumínio «fotossensibilizada» (Ibid.). O papel, suporte milenar, mas efémero, é substituído por um material resistente ao tempo, o qual, além disso, permite a reprodução ilimitada daquilo que foi gravado.

Esta atitude experimental e suas consequências são objeto de reflexão por parte de Margarida Acciaiuoli no seu texto «Desenho e desígnio», no qual afirma: «Da caneta e do lápis ao pincel, e destes à máquina fotográfica, a procura foi constante. O que na verdade acontecia era que ele desejava "alargar o caminho", as fronteiras entre o desenho, a pintura e a fotografia foram por isso se esbatendo.» (Lá e Cá. Retrospectiva Fernando Lemos, 2011, p. 60)

As noções de tempo, memória, comunicação e transmissão de legados e tradições, fundadores de identidades, vão sendo trabalhados por Lemos de diferentes formas ao longo do seu percurso, como se torna claro através de séries anteriores como Caligráfica I (1956), Sinais (1969), 72 – Signos Desmemoriados – Momento IX (1972), entre outras.

Apresentados pela primeira vez em Portugal na Galeria de Exposições Temporárias da Sede da Fundação Calouste Gulbenkian, em 1985, um ano após terem sido mostrados na Paulo Figueiredo Galeria de Arte, em São Paulo (Brasil), estes desenhos Memórias são expostos sob a curadoria de Maria Almeida Lima, de um modo que permite um correto reconhecimento da materialidade do suporte. Enquanto em 1985 os desenhos nas chapas de alumínio tinham sido emoldurados como se se tratasse de desenhos sobre papel, sendo mesmo utilizados passe-partouts, o que acabava por anular grande parte da essência destes trabalhos, nesta nova mostra os desenhos foram expostos com recurso a um vidro protetor e afixados na parede com um sistema de suspensão que os manteve afastados desta, permitindo um melhor entendimento das particularidades do suporte e dos efeitos da gravação.

Esta nova forma de expor parece refletir uma outra consciência sobre a natureza destes trabalhos. À semelhança das outras exposições rotativas, também esta não possui uma publicação associada.

Além do programa de visitas guiadas, foi organizada uma conversa entre o artista e o público, que consistia numa visita à exposição aberta à participação.

Mariana Roquette Teixeira, 2019