Exposição retrospetiva do artista português Victor Palla (1922-2006), organizada pelo Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG).

Victor Palla foi arquiteto, artista gráfico, fotógrafo, pintor, ceramista, editor, escritor, tradutor e galerista. A sua atividade cultural foi multifacetada, quer em termos criativos, quer na criação e gestão de iniciativas culturais diversas. Como refere Luís Henriques, «Victor Palla conciliou experiências diversificadas – "Sou totalmente contra a especialização" – sem esquecer a intervenção pública e política» (Henriques, «Victor Palla», 2010).

O artista participou nas Exposições Independentes no Porto em 1944 e, entre 1946 e 1956, foi um dos principais mentores e organizadores das Exposições Gerais de Artes Plásticas, acontecimento marcante no panorama da arte e da cultura portuguesa no Estado Novo – não só pela sua ligação ao movimento neorrealista como pela forte carga ideológica e de oposição política ao regime. Palla colaborou ainda com os círculos literários e artísticos do neorrealismo e, como arquiteto, trabalhou em parceria com Joaquim Bento de Almeida (1918-1997), assinando projetos de afirmação modernista.

Na área da fotografia, onde igualmente se destacou nos anos 50, «explorou vias próximas da "fotografia subjectiva", sobrepondo negativos, cruzando modelos vivos e formas modulares ou modelos tridimensionais construídos para o efeito» (Ibid.).

Em 1959, publica, em conjunto com Manuel Costa Martins (1922-1996), o livro de fotografias Lisboa, Cidade Triste e Alegre, um projeto focado na temática da cidade de Lisboa e suas gentes. Anos depois, Lisboa foi reconhecido internacionalmente como uma das grandes obras de fotografia do século XX. Na obra de referência The Photobook: A History (2004), é referido como um dos 100 melhores livros de fotografia do século XX (Parr; Badger, The Photobook: A History, 2004-2006, pp. 212-213).

Os seus temas recorrentes foram «as crianças dos bairros populares, namorados, velhos dos jardins, varinas, a Feira da Ladra, carrinhos de choque, merendas domingueiras, casas nocturnas». Enfim, «celebrações do espírito ordinário, do quotidiano, das pessoas a serem elas próprias», como sugeriu Pedro Miguel Frade no que dedica ao artista no catálogo da exposição (Victor Palla, 1992, p. 7).

Como aponta Luís Henriques, «a descrição parece pitoresca, mas o carácter experimental das técnicas de registo, revelação e montagem capta os movimentos de pessoas singulares, sem essencialismos» (Henriques, «Victor Palla», 2010).

Em 1999, Palla veio a receber o Prémio Nacional de Fotografia, atribuído pelo Centro Português de Fotografia (Porto).

A presente exposição, organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian, pretendeu ilustrar o percurso fotográfico de Palla ao longo dos anos 50. A tarefa de apresentar o seu trabalho foi confiada ao teórico de fotografia Pedro Miguel Frade, que, a convite do diretor do CAM, José Sommer Ribeiro, assumiu a curadoria da exposição.

Com o avançar da investigação, a seleção de obras foi tomando novas direções, o que levou a curadoria a repensar a ideia inicial da mostra. Assim sendo, Frade entendeu vantajoso ampliar a exposição a uma maior seleção de obras, a fim de possibilitar uma visão dinâmica, alargada e completa da obra de Victor Palla, ao longo dos seus largos anos de produção.

Pedro Miguel Frade ficou ainda responsável por escrever um texto dedicado ao artista, que seria incluído no catálogo da exposição. Uma vez que a premissa inicial da exposição veio a ser alterada, Sommer Ribeiro e o curador assentaram que o autor introduziria alterações no texto ou faria uma nova apresentação perante o resultado definitivo. A morte inesperada de Pedro Miguel Frade não permitiu tal reapreciação. Nas palavras de Sommer Ribeiro, o texto inicial incluído no catálogo e a exposição constituíram também uma homenagem ao curador.

Na tentativa de reunir as fotografias para a exposição, o Centro de Arte Moderna deparou-se com o facto de que muitas das reproduções da obra de Victor Palla, «por vicissitudes diversas», se encontravam desaparecidas na sua quase totalidade, pelo que os trabalhos de preparação da exposição implicaram a reimpressão das mesmas. Não havendo ampliações de qualidade das obras escolhidas, houve que imprimir a totalidade das fotografias então apresentadas.

Segundo José Sommer Ribeiro, ao tratar-se de um artista bastante importante na história da fotografia nacional, a reimpressão e ampliação dos seus trabalhos teria de «necessariamente de [efectuar-se] dentro dos padrões de qualidade mais elevados». Para esse efeito, foi contactado o impressor Yvon-le-Marlec, com ateliê em Paris, «considerado um dos maiores especialistas da atualidade» (Carta de José Sommer Ribeiro para Luís Guimarães Lobato, 3 fev. 1992, Arquivos Gulbenkian, CAM 00263).

Os 100 negativos originais de Victor Palla foram deste modo impressos nos laboratórios de Yvon-le-Marlec, que, em muitos casos, foi obrigado a um demorado restauro dos negativos, por se tratar de registos «não apenas antigos mas que igualmente passaram muitas vicissitudes em andanças por tipografias». Jorge Molder, à data diretor-adjunto do CAM, salientou, num ofício que dirigiu à Administração da FCG, a elevada qualidade do trabalho de impressão efetuado por Yvon le Marlec (Carta de Jorge Molder para Luís Guimarães Lobato, 21 jul. 1992, Arquivos Gulbenkian, CAM 00263).

No âmbito da exposição foram incorporadas dez fotografias de Victor Palla na Coleção Moderna da Fundação. Algumas delas pertencem ao conjunto de cerca de 175 fotografias reproduzidas na obra Lisboa, Cidade Triste e Alegre. Vale a pena sublinhar o parecer de Sommer Ribeiro relativamente a estas aquisições: «Para além do trabalho de restituição histórica que estas duas iniciativas representam [exposições “Victor Palla” e “Fernando Lemos” – esta apresentada em Paris no mesmo ano], uma parte dos trabalhos agora produzidos ficarão a fazer parte do acervo do Centro de Arte Moderna, o que constituirá, certamente, um considerável enriquecimento da Colecção de Fotografia.» (Carta de José Sommer Ribeiro para Luís Guimarães Lobato, 3 fev. 1992, Arquivos Gulbenkian, CAM 00263)

Terminados os trabalhos de restauro, foram apresentadas na galeria do CAM cerca de 50 fotografias, que ilustraram o período de produção de Palla desde 1948 a 1991. À semelhança de outras exposições concebidas pela FCG, foram organizadas várias visitas guiadas.

O catálogo da exposição, editado pelo CAM, inclui o texto introdutório de Sommer Ribeiro e os textos de Pedro Miguel Frade e de Teresa Siza, então diretora do Centro Português de Fotografia. Além disso, são incluídas as reproduções das fotografias apresentadas e a biografia do artista.

De acordo com a abordagem de Teresa Siza à exposição: «O olhar de Victor Palla, captando o isolamento, o compadrio, a cumplicidade, o gregarismo, fala-nos, esclarece-nos e recorda-nos a comunidade a que pertencemos. Neste reencontro com o homem na sua cidade não há definição de tipos nem resumos sociais; não há também momentos perfeitos, procuras estéticas, nem verismo, nem formalismo, não há masoquismo ou sugestão.» (Victor Palla, 1992, p. 15) A autora continua: «Victor Palla fala daqueles momentos bonitos da vida que nos recompensam da esterilidade da institucionalização da cultura.» E, referindo-se às temáticas captadas por Palla, acrescenta: «O espectador […] toma a imagem como sua, entra naquela gélida sala da repartição pública, escuta a animada conversa de bar, sorri àquele casal tão feio e tão bonito, sentado de modo insólito, no banco de nenhum jardim.» (Ibid.)

Este «realismo social» fotográfico era explicado por Pedro Miguel Frade como «o neo-realismo [que] não viveu da vertigem obsessiva que exigia aos fotógrafos do seu tempo uma verosimilhança – em tudo técnica – na reprodução do real: percebe-se nas imagens [de Victor Palla], o peso que exerce sobre a realidade da representação, a realidade específica do dispositivo que supostamente a representa.» (Victor Palla, 1992, pp. 8-9)

Finda a exposição em Lisboa, o CAM foi contactado pelo Grupo Pro-Évora (associação de defesa do património da cidade de Évora), que, ao programar uma série de exposições representativas da arte portuguesa contemporânea, veio solicitar a colaboração da Fundação para a deslocação das obras da exposição até àquela cidade. Em Évora, a exposição «Victor Palla» decorreu entre 11 e 23 de dezembro de 1993, e teve lugar na sede do Grupo Évora (antigo Convento de São Paulo).

Joana Brito, 2019