Julião Sarmento

Exposição individual antológica de Julião Sarmento (1948-2021), centrada na obra pictórica realizada entre 1986 e 1993, incluindo três peças inéditas. Organizada pelo Centro de Arte Moderna, a curadoria foi assinada pelo norte-americano Michael Tarantino, proeminente agente cultural.
Solo retrospective exhibition on Julião Sarmento (1948-2021) focusing on the artist’s pictorial work produced between 1986 and 1993, including three never-before-seen artworks. Arranged by the Modern Art Centre, the show was curated by prominent North American cultural agent Michael Tarantino.

No início da década de 1990, Julião Sarmento (1948-2021) era já um dos artistas portugueses mais consagrados internacionalmente. Os anos 80 tinham lançado fortes elementos identitários no seu trabalho, especialmente no campo da pintura, ao qual retornou intensamente, acompanhando uma das tónicas mais fortes da arte contemporânea nessa década.

Esta individual de 1993 na Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) debruçou-se sobre a sua obra pictórica entre 1986 e 1992. Organizada pelo Centro de Arte Moderna da FCG (CAM), a mostra inaugurou a 6 de maio na Galeria de Exposições Temporárias da Sede da FCG (piso 0), reunindo obras provenientes de vários pontos da Europa, Estados Unidos da América, e Brasil.

A curadoria foi assumida pelo norte-americano Michael Tarantino, tal como acontecera para a individual do artista na Fundação de Serralves (Porto), um ano antes. Em Lisboa, trabalhou na montagem em estreita colaboração com o próprio artista e com Jorge Molder, então diretor-adjunto do CAM. Tarantino publica também um texto curatorial no catálogo de exposição, que conta com um outro ensaio, da autoria de Maria Filomena Molder, confrontando esta fase da pintura de Sarmento com o caudal lendário e mítico que ela convoca.

Apesar de essa edição da FCG listar 47 peças, o crítico de arte António Bacalhau, descreve a exposição como sendo «constituída por […] 36 pinturas sobre tela, das quais 32 nunca tinham sido mostradas anteriormente em Lisboa e 25 eram inéditas em Portugal» (Bacalhau, Artes e Leilões, n.º 20, p. 83). Todas elas eram peças de grandes dimensões, transportando as temáticas que mais ocupam o autor, não apenas neste período, mas ao longo de todo o seu percurso. Trata-se de uma imagética que incide sobre as estruturas do desejo, com o sexo, as agruras passionais, as obsessões a não pedirem licença para se afirmarem como pulsões primordiais. A sua abordagem tende a interessar-se pelas máscaras e fetichismos com que a sociedade mediatiza os instintos e sentimentos mais indomesticáveis. Essa dimensão mais sociológica da sua obra cruza-se, no entanto, com o pessoalismo que ressoa na subjetivação dos ícones e estereótipos colhidos à cultura. Sarmento cita diretamente muitas dessas fontes. Ao longo das diferentes fases e diversos media da sua obra, são constantes as chamadas para livros, filmes, imagens da história da pintura, personagens. Todo esse legado apropriado é reenquadrado nas poéticas do seu trabalho, muitas vezes indexado a estórias que se suspeita pertencerem a uma esfera privada.

Também o conjunto de pinturas apresentado na Gulbenkian em 1993 denuncia essas estratégias de apropriação. As referências podem ir dos mais antigos mitos às mitologias modernas do cinema e da cultura pop.

A importação de fragmentos da cultura de massas é, de resto, uma das muitas reiterações da proximidade entre a obra de Julião Sarmento e o universo artístico anglo-saxónico. Desde o início do seu trabalho, no final dos anos 60, que o artista desloca para essas latitudes o seu foco, articulando-se, em primeira mão, com muitas das correntes mais decisivas surgidas no contexto britânico e norte-americano. Partindo do papel seminal da Pop Art, rapidamente o seu percurso autoral entra em linguagens afins ao Conceptualismo, à Body Art e à Performance Art. Para a segunda metade dos anos 80 e início da década de 90, aqui em foco, regista-se a sintonia com alguns autores da chamada Pictures Generation, como Cindy Sherman ou Richard Prince.

A FCG tentou conduzir esta exposição antológica a uma itinerância internacional, estabelecendo diversos contactos com instituições europeias (Arquivos Gulbenkian, CAM 00279). Os calendários de programação dos congéneres invalidaram a realização desse circuito. Na documentação consultada, há notícia de uma confirmação para o Ludwig Forum em Aachen, Alemanha, mas cuja concretização não foi corroborada. Não obstante, os contactos estabelecidos terão alavancado alguns rumos para exposições futuras do autor.

Desde a década de 1970 que a Gulbenkian dá o seu contributo para projetos de Julião Sarmento. Os elos institucionais com a Fundação remontam a 1976, quando o artista participou na mostra «20 Anos de Gravura». Nesse mesmo ano, a Gulbenkian subsidiou uma curta deslocação à Polónia, que se revelou uma viagem de curiosos intercâmbios culturais. Surgia no seguimento de contactos pessoais do artista para a organização de uma exposição com obras suas, de Fernando Calhau e de Ernesto de Sousa naquele país (Galeria Labirynt, Lublin, out. 1976) (Arquivos Gulbenkian, SBA 1386). Desde então, a Fundação reiterou por diversas vezes o apoio à meritosa internacionalização da obra de Julião Sarmento, destacando-se, entre os vários e importantes exemplos possíveis, o apoio à sua primeira participação na Documenta 7 de Kassel (Alemanha), em 1982, e na 49.ª Bienal de Veneza, em 2001, uma das três vezes em que representou Portugal nesse certame (1980, 2001 e 2010).

Acompanhando essa longa relação, várias peças do autor foram incorporadas nas coleções da Fundação, quer por aquisição, quer por doação do artista. A coleção do Centro de Arte Moderna conta, à data desta investigação, com 27 peças de Julião Sarmento inventariadas. Três delas foram expostas nesta individual de pintura em 1993: Just a Skin Affair (1988; Inv. 88P346), então já pertencente à coleção do CAM, The Frozen Leopard (1991; Inv. 93P306) e Pintura Cega (Três Instrumentos de Prazer e Um de Morte) (1990; Inv. 93P305) – as duas últimas adquiridas na sequência da mostra (Arquivos Gulbenkian, CAM 00825).

Daniel Peres, 2018


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Just a Skin Affair

Julião Sarmento (1948-2021)

Just a Skin Affair, Inv. 88P346

Pintura Cega (Três Instrumentos de Prazer e um de Morte)

Julião Sarmento (1948-2021)

Pintura Cega (Três Instrumentos de Prazer e um de Morte), Inv. 93P305

The Frozen Leopard

Julião Sarmento (1948-2021)

The Frozen Leopard, Inv. 93P306

Pintura Cega (Três Instrumentos de Prazer e um de Morte)

Julião Sarmento (1948-2021)

Pintura Cega (Três Instrumentos de Prazer e um de Morte), Inv. 93P305

The Frozen Leopard

Julião Sarmento (1948-2021)

The Frozen Leopard, Inv. 93P306


Publicações


Material Gráfico


Fotografias


Multimédia


Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00279

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém informações sobre empréstimos de obras e seguros; correspondência interna e externa; documentos referentes ao filme-documentário sobre Julião Sarmento, com realização de Joaquim Sapinho (emitido pela RTP, em 19 de abril de 1994). 1992 – 1994

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00278

Pasta de arquivo no âmbito da produção da exposição. Contém correspondência interna e externa; informações referentes a empréstimos de obras e jantar concedido por ocasião da inauguração; recorte de imprensa; projeto de Joaquim Sapinho para a realização de um filme-documentário sobre Julião Sarmento com produção da Rosa Filmes (emitido pela RTP, a 19 de abril de 1994). 1992 – 1994

Espólio do CAM, Lisboa / Dossiê de Artista n.º 201

Dossiê dedicado ao artista Julião Sarmento com documentação referente a obras adquiridas pela Fundação Calouste Gulbenkian e a obras doadas pelo artista. Contém certificados de autenticidade; recortes de imprensa; informações várias referentes ao autor e exposições por ele realizadas; proposta de estudo enviada pelo Departamento de Conservação e Restauro (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa) para analisar várias peças do acervo do CAM, incluindo uma das suas pinturas brancas. 1988 – 2014

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Comunicação), Lisboa / COM-S001/044-D02943

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG, Lisboa) 1993


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