Ao longo do seu trabalho fotográfico, Jorge Molder tem privilegiado o atravessamento de variadas referências, nomeadamente, do campo da literatura e do cinema. Na série Não tem que me contar seja o que for – exposta na Cinemateca Portuguesa em 2006 –, as referências ao universo da sétima arte são evidentes. Esta obra em particular, pertencente à série de 32 fotografias, reporta-nos ao filme The Wrong Man (O Falso Culpado), de 1956, no qual podemos ver o reflexo de Henry Fonda, num espelho partido.

O espelho, instrumento primário da duplicidade e de fabricação da cópia, tem, à partida, um valor paradigmático na obra de Molder. Surge de forma recorrente, desde as primeiras séries, como dispositivo que assinala a interrogação sobre o problema da imagem. A lógica da auto-representação, também distintiva no processo de trabalho deste artista, encontra-se, todavia, menos presente ao longo desta série. O protagonismo é antes assumido pelos personagens e objectos de um imaginário cinematográfico, de estilo film noir. Não falamos de uma estrita apropriação das referências fílmicas subjacentes. Devemos considerar, que estes trabalhos, sendo fotográficos, pressupõem já uma reapreciação do cinema. A fotografia, isolada, retira a imagem do seu contexto narrativo original e ao mesmo tempo confere-lhe um novo formato, como explica Jorge Molder: “À partida o cinema é uma coisa que é rectangular e estas fotografias são quadradas. Isto já representa uma reconfiguração das imagens e da nossa memória do cinema”.

 

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Agosto de 2011