Uma investigação de carácter pós-colonialista tem orientado cada vez mais o trabalho de Ângela Ferreira. Afirma este interesse sobretudo ao relacionar a obra de artistas e de arquitectos, interessada pelo modo como se comporta o modernismo fora de um contexto ocidental. O seu fascínio pela adaptação desta estética a diferentes histórias culturais, políticas e geográficas, culminaria, com maior reconhecimento público, na sua instalação para a Bienal de Veneza (1997) quando retomou os projectos das maisons tropicales desenhadas pelo arquitecto francês Jean Prouvé para vários países africanos.

As duas fotografias remontam a 1996 e mostram a instalação de Ângela Ferreira na Chinati Foundation no Texas, onde viveu e trabalhou o artista minimalista Donald Judd (1928-1994). Recriou, nesse espaço, o interior da casa de Helen Martins (1897-1976), expoente da outsider art na África do Sul, que redecorou ao longo da vida a sua própria morada com fantasiosas esculturas e objectos feitos de vidro e betão, com a ajuda de Koos Algas, o seu assistente de cor cuja proximidade causou algum desconforto nesses tempos de apartheid. Ângela Ferreira repetiria esta forma de memorial no ano seguinte, na série Double Sided II, quando visitou a aldeia de Helen Martins em Nieu-Bethsheda, na África do Sul, e aí criou então uma instalação baseada no estúdio arquitectónico de Donald Judd. A fechar o círculo desta relação artística-arquitectónica, depositou dois livros em cima da vulgar estante de madeira, para instrução pública: um sobre a conhecida Owl House de Helen Martins e outro sobre a arquitectura do norte-americano Donald Judd*.

 

Afonso Ramos

 

*Os livros são: Anne Emslie, The Owl House, Johannesburg, Viking, 1991; Peter Noever (ed.), Donald Judd: Architecture, Ostfildern-Ruit, Hatje Cantz, 2003.