«a gente
só é dominada por gente
quando não sente que é gente»

Ana Hatherly, De palavra em punho

 

A série Ruas de Lisboa é um conjunto de descolagens de cartazes originais espalhados pelas ruas da cidade, que foram posteriormente montadas, re-coladas de modo a reproduzir o cenário urbano. Esta recolha, feita durante o ano de 1977, regista visualmente os efeitos da Revolução de Abril de 1974 na sociedade portuguesa, a euforia em torno da palavra liberdade.

 

Estes cartazes remetem para o universo do nouveau réalisme francês, mormente nas aproximações ao quotidiano urbano e à apropriação dos seus materiais. Porém, não será apenas o esplendor visual das manifestações e imagens da cidade que merecem a atenção da artista, mas também a energia libertária que essas imagens, coladas sem hierarquia nem composição, revelam.

 

A artista prefere sublinhar o carácter documental destas obras, no modo como a sobreposição de imagens provenientes de contextos díspares são um sintoma de uma sociedade que celebra ainda, numa alegria pueril sem consequências, a possibilidade de comunicar, expressar, afirmar.

 

Os cartazes de Lisboa são o reflexo das «imagens em liberdade». O cartaz político aparece quase sempre, mas pelo meio encontram-se também figuras ilustradas, animais de circo e ícones da história. Uma sobre a outra, política e entretenimento, revestem as ruas da cidade, outrora limpas, brancas, mudas.

 

Mas estas sobreposições assinalam também que política e entretenimento ganham o mesmo estatuto. No quadro sociológico português, na segunda metade da década de 70, a instabilidade política e social e a urgência em assimilar a contemporaneidade internacional, revêem-se numa desordem «cacofónica» que leva a relacionar instâncias diferentes e a subverter protocolos, numa espécie de entropia fértil.

 

 

JB

 

Setembro de 2010