«arre, arre, arre, arre, arre»

As Escolhas das Curadoras: Patrícia Rosas destaca a obra de Salette Tavares.
22 dez 2020

Salette Tavares, figura incontornável da Poesia Experimental Portuguesa, assume a palavra como componente plástico e transforma o poema em forma e conteúdo. Aqui, a forma da aranha é desenhada com palavras: «arre» é a cabeça e as patas da aranha; «arrrranha» é o corpo; «arrranhisso» e «arranh /aço» formam uma linha da teia.

Escrita e forma interligam-se. A aranha ocupa um lugar central na folha branca, deixando um vazio propositado em seu redor. O som da aranha, a sua dimensão fonética, aproxima o público, que lê e relê a aranha, a forma.

Anos mais tarde, numa carta enviada a Ana Hatherly, Salette Tavares explica como surge a aranha: «Devia ter sido Carnaval há pouco tempo e estava ali uma aranha dos meus filhos, que deu origem a uma série de desenhos que guardo e penso publicar. Daí resultou a aranha, que todos conhecem feita em letraset»1. Neste caso, a aranha, símbolo protetor, considerada em algumas culturas a mãe criadora, tecelã do destino, dedica-se à fiação, à construção de uma proteção, a teia, que ao mesmo tempo pode servir para captura de outros animais.

As inquietações espaciais, fonéticas e morfológicas de Salette Tavares estão plasmadas nesta impressão tipográfica que se insere no universo da Poesia Experimental Portuguesa. Em 1964, Salette colabora nos primeiros Cadernos de Poesia Experimental e a sua participação intitula-se Brin Cadeiras. Dela  fazem parte uma série de poemas em tipografia como Aranha e Efes, nos quais, mais uma vez, as palavras assumem uma forma visual.

 

Salette Tavares, «Efes», 1963. Impressão tipográfica. Inv. 15GP4020
Salette Tavares na exposição «Brincar», Galeria Quadrum, 1979. Atrás podem ver-se as obras «Aranha», «Aranhão» e «Borboleta de Aranhas». Cortesia Salette Brandão

 

Na obra de Salette há três poemas visuais que estão ligados à imagem da aranha: a obra citada, Aranha, tipografia de 1963; o Aranhão, serigrafia de 1978; e a Borboleta de Aranhas, colagem de 1979. Aranhão e Borboleta de Aranhas surgem posteriormente, num processo de multiplicação da aranha, aparecendo centradas, novamente, na folha branca.

Em 1979, Salette Tavares tem a oportunidade de realizar a exposição Brincar, apresentada na Galeria Quadrum em Lisboa, uma das mais importantes galerias que divulgou o experimentalismo nacional dos anos de 1960 e 1970, na época dirigida por Dulce d’Agro. Salette é também das poucas artistas que nos anos de 1960 desenvolve um trabalho de crítica da arte e teoria da Estética.

 

Vista da exposição «Salette Tavares. Poesia Espacial». CAM, 2014.

 

O universo da sua obra visual e poética é mágico, fascinante, e desperta muita curiosidade. Na sequência da exposição Salette Tavares. Poesia Espacial, que organizei com Margarida Brito Alves, no CAM, em 2014, as obras de poesia visual e espacial de Salette Tavares viram, de forma abrangente, a luz do dia, o que proporcionou a integração, na Coleção, de seis obras-chave da artista, até então ausente, entre elas Aranha, mas também Porta das Maravilhas, de 1979, ou a escultura Bailia (1979-2014), que espacializa um poema.

 

Patrícia Rosas
Curadora do Centro de Arte Moderna

 

  1. «Transcrição da Carta de Salette Tavares para Ana Hatherly»,
    Salette Tavares. Poesia Gráfica. Lisboa: Casa Fernando Pessoa, 1995, p.17.
 

As Escolhas das Curadoras

As curadoras do Centro de Arte Moderna refletem sobre uma seleção de obras, que inclui trabalhos de artistas nacionais e internacionais.

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